quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

UMA DÉCADA DE MALÚ


João despertou animado e feliz! programou-se para estar adiantado em uma hora de seu horário habitual. Fez a barba, perfumou-se e garantiu-se, com um combinado de Catuaba, Ginseng e Pó de Guaraná. O soar da campainha encheu-lhe o coração. Mal pode dormir. Queria uma manhã especial. Desejou, ao entregador,  mil felicidades e pareceu ter dado uma nota de cinquenta reais na gorjeta. Mas, o que isso importa. Imaginou o sorriso aberto num olhos ainda quase fechados. Ele adorava o rosto de Malú ao acordar. Aproximou-se e acariciou seus cabelos, colocando ao lado um lindo buque de flores que acompanhava a cesta de café da manhã repleta de delicias e guloseimas:

_ Porra, João. seis e meia da manhã, está de secanagem!
_ Mas amor...
_ Amor é o caralho, João! É o caralho!!! nenhum amor existe às seis e meia da manhã"!

João, com a voz doce, ainda amável, lhe confidenciou:

_ São dez anos, meu amor. Como podia ir pro trabalho sem olhar em seus olhos, lhe abraçar, lhe beijar e dizer o quanto eu lhe amo"!

_ De carro, de Metrô, De jegue...sei lá, João. 

Enquanto Malú bradejava sua fúria, João aproximou-se e tentou apaziguar a situação com um longo beijo. Malú correspondeu e já com a voz amansada, suplicou:

_ Tá bom, João. Ê Ê Ê, Parabéns, parabéns. Agora, deixa eu dormir - Disse, virando-se para o outro lado, ignorando João, buquê, guloseimas e todo o resto. Enrolou-se na colcha que, a essa altura, já lhe cobria o corpo e a cabeça e entregou-se de vez aos braços de Morfeu. 

O estalar de gotas de chuva chocando-se as poças que se escondiam embaixo da janela de seu quarto lhe trouxeram a lembrança de sua avó. Talvez por esta razão, apesar de tantos pormenores e razões apresentadas por João, nada foi capaz de movê-la da ideia de uma casa. Malú adorava acordar com cheiro de chuva, entre dez e onze da manhã. 

Suas lembranças lhe apaziguaram o coração. Malú sentiu-se arrependida. Pensava no quão atencioso era João e no quanto o havia decepcionado. Insistia, para si mesma, que não havia culpa em seu destempero. Para ela, haviam duas Malú. Uma que acordava só e feliz, além daquela outra que era repentinamente acordada. 

O banho, que já era demorado habitualmente, desceu a tarde a lhe fazer companhia. Queria diminuir sua tristeza e deixar para as copas das arvores a sua vazante. Secou os cabelos sem pressa. Massageou-se no rosto, nos ombros, no colo. Deixou o perfume abrigar-se em seu corpo, em seu ventre. Deixou-se nua. Apenas a maciez do algodão a lhe cobrir as curvas. Pensou em João. Em suas mãos, em sua voz, em seu sorriso. Pensou também em abrigá-lo, em lhe dar aconchego. 

Malú ouviu as chaves chacoalhando a porta e correu, faceira. Seus lindos pés massagearam o assoalho e seu corpo bailou até onde os olhos de João puderam alcançá-la. Recostou-se brevemente sobre um pilar que dividia a sala de jantar de outro pavimento. Jogou os cabelos para trás, cerrou os olhos e deixou o roupão esvair-se pelos ombros. Seus seios ficaram a mostra. João ficou ali, parado, molhado. A moça sentiu a demora e abriu os olhos: 

_ Porra, João!!! Sapato todo enlameado, guarda-chuvas todo molhado, você molhado, tudo pingando, no meu tapete branco!!! Puta quil paril, João!