Uma vez mais, deixou sua cabeça repousar nos pêlos do peito de seu amado. Sentiu aquelas mãos fortes e macias percorrerem seus longos cabelos negros. Dedos, rapidamente, chegaram à sua nuca, puxando-a, com força, pelos cabelos. Sua cabeça pendeu, graciosamente, para trás. A moça arrefeceu o brilho dos olhos, fazendo-os desaparecer por entre suas pálpebras, cerradas de prazer. Segurou firme aquele braço forte e musculoso, chamando-o para ao entorno de seu corpo. Mordeu levemente seus lábios molhados.
À beira da cama, João ficou sem saber o que fazer. Não esperava encontrar sua mulher daquele jeito. Seu corpo formava com o colchão, um arco, apoiado numa ponta pela nuca e noutra pelos calcanhares. Rosto ruborizado, com as narinas totalmente abertas. Os seios estavam duros e pontiagudos. Os braços se esticavam para trás. Cabeça esfregando-se levemente no antebraço, como gata no cio. O dorso ergueu-se ao limite. Seus músculos contraíram-se ao limite. De sua boca, pode-se ouvir um leve gemido, enquanto seu corpo, exausto, desfalecia na cama.
Ao recobrar os sentidos, desfigurada, Malú percebeu a presença de João e demorou-se a abrir os olhos. Sentia-se fraca para falar sobre o que devia ser dito. Tinha consciência de sua loucura. Bem pior, no entanto, seria não reconhecê-la. Sabia que não havia amor maior do que o daquele homem. Precisava, porém, conhecer os seus próprios limites. É preciso coragem para se abrir mão de um grande amor, de alguém que lhe faça tão bem. Malú compreendia bem a sua angústia, a sua dor.
O rapaz tentou amenizar a situação. Porém, relutou em abraçar o corpo suado de sua amada. Temia reconhecer o cheiro que exalava de seu corpo, ainda em brasa. Buscou refúgio num resto de jornal , caído ao lado de uma cadeira. Cruzou as pernas e levou a mão ao queixo. A moça reconheceu aquela expressão e pensou em chamá-lo para junto de si. Quis tanto que ele ficasse bem que seus lábios emudeceram. A noite caiu, João foi embora e Malú voltou a sonhar.
Numa manhã ensolarada de Paris, João acordou e encontrou Malú com as malas prontas. Ela foi em sua direção e lhe deu um grande abraço:
– Obrigado por tudo. Agora, já sei por onde ir. Entenderei se não esperar por mim. Mas, um dia, eu volto.
João abaixou a cabeça de Malú e deu-lhe um beijo na testa:
– Feche a porta ao sair, por favor – disse-lhe enquanto se dirigia ao banheiro, arrastando o seu velho roupão.
Malú então surpreendeu-se com João e sorriu. Pelas ruas de Paris, até o aeroporto, sentiu que podia partir para a vida, sem culpas. Fechou os olhos, respirou fundo e deixou-se contaminar pela deliciosa sensação de liberdade. Verdadeiramente, no lugar mais profundo de sua alma, sabia que não se tratava de libertar-se de João. Não era ele quem a aprisionava. Desejava libertar-se de suas amarras interiores, de seus medos, traumas, acalmar-se de suas inquietações. Fez planos e desejou, de verdade, dar a João a Malú que ele merecia, a mulher que ela desejava ser. Um caminho que ela precisava percorrer, sozinha.
Por Henrique Biscardi
Henrique,
ResponderExcluirGostei muito desta consciência da personagem, buscar seu caminho sozinha,e quantas pessoas precisam disso né?
Sem culpas.... Fechou os olhos, respirou fundo e deixou-se contaminar pela deliciosa sensação de liberdade. Verdadeiramente, no lugar mais profundo de sua alma, sabia que não se tratava de libertar-se de João.Um caminho que ela precisava percorrer, sozinha.
Fantástico!!
Espero poder ler o próximo....Mesmo de longe!
Parabéns
Henrique, muito bom. Parabéns. Tem alma, sabor e adeus a um grande amor.
ResponderExcluirSucesso
Até quando Malú vai viver de despedidas?
ResponderExcluirPelo menos ela não morreu!...rsrs...
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