Tive a certeza de que estava ficando velho quando percebi que ficava mais deitado do que meu labrador de 12 anos, que nem o rabo balançava mais. Ficava ali, na varanda, e só na hora do almoço se dava ao trabalho de levantar os olhos para aquele senhor patético que, apesar de tudo, ainda o alimentava.
Mas até aquela tarde eu ainda acreditava em Papai Noel e na bela moça com biquíni de oncinha que vivia pegando sol na piscina e me chamava de tigrão. Naquela tarde, porém, apenas três copos de caipirinha já me derrubaram. Lembro-me de colocar a mão na cabeça e de a sentir molhada. Depois disso, vi pequenos flashes de luz branca e cheguei a pensar que caminhava para a luz.
Ao acordar, os primeiro brilhos vieram dos olhos de minha filha. Fiquei feliz em ver como ela ainda conseguia chorar por mim. Em seguida, para não perder a prática, olhei para o generoso decote da enfermeira que mexia no soro e com as minhas genitais, dando-me a certeza de que realmente estava vivo. Minha ex-mulher trazia um lenço. Acredito que seria para um aceno de adeus, mas como a decepcionei de novo, foi obrigada a fingir que também estava emocionada.
Depois foram chegando os puxa-saco, credores e devedores, nesta ordem. Meu médico nem apareceu. Logo ele, a visita mais esperada. Passei uma noite a mais no hospital. Sozinho, acordado e vendo uma porção de filmes que já havia visto algumas centenas de vezes, possivelmente naqueles mesmos canais de tv a cabo. Finalmente, acabei dormindo e só despertei com a voz de Nina:
- Pai! Passou bem a noite? Já estou com a sua alta em mãos. Vamos para casa?
Que casa? – pensei. Não me agradava voltar naquele momento para o sítio. Tinha saudades do Leopoldo. O biquíni de oncinha, por questões médicas, não me faria falta por uns tempos. Mas o carro tomou outro rumo e quando percebi já estava num lindo apartamento, bem arejado e espaçoso:
- Quem mora aqui?
- Eu e meu filho, o léo. Lembra dele. Está enorme. Cinco anos!!!
- Claro que lembro! Eu mandei um presente para ele no Natal! Eu até vinha, mas vocês não queriam constrangir a sua mãe...
- Não é constrangir, é constranger. E nós não te convidamos não foi por causa da mamãe. Ou você já se esqueceu o que aconteceu da última vez que você trouxe alguém aqui no Natal? Não se lembra daquela donzela que eu encontrei dando a bunda para o meu marido, às três horas da manhã, na varanda de meu apartamento?
- Ah! Aquilo foi um acidente. Eu errei, reconheço. Não devia ter trazido para a sua casa alguém que tinha acabado de conhecer. Mas o seu marido também errou, ele não é nenhuma flor que se cheire., você bem sabe disso! A Mary não tinha nada a ver com isso. A Mary jamais faria isso. Ela é uma lady.
- Uma lady, uma lady! Pois saiba que a sua lady, assim que você foi hospitalizado, vendeu o seu querido sítio, com o Leopoldo e tudo dentro, e se mandou para os EUA!
Sinceramente, não me espantei. O que esperar de uma pessoa que veste biquíni de oncinha, passa o dia inteiro na piscina e chama um velho de 60 anos de tigrão? Minha filha acha que algum dia eu me iludi? Posso não ter vivido uma vida descente segundo os seus padrões, mas não era nenhum bobo.
Nina também não era nenhuma trouxa. Ela sabia que logo estaria recuperado, bebendo, fumando e conhecendo outro par de biquínis de oncinha. Porque a vida é assim. Porque eu sou assim. A rã nunca deve ajudar o escorpião a atravessar o rio, porque no meio do caminho ele sempre irá picá-la, mesmo sabendo que os dois morrerão afogados. É a natureza dele!
Só amei duas mulheres em minha vida e apenas uma delas me salva sempre que estou morrendo afogado. Não sei qual é mais inteligente. Também nem sei qual delas eu mais tenha picado em minha vida. Só sei que a cada dia que passa, tenho a sensação de estar mais longe de encontrar uma rã que me faça esquecer o que sou ou que apenas me convença a desistir de atravessar o rio.
Por Henrique Biscardi
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