Murilo era um cara estranho. Meu amigo, mas bizarramente estranho. Dizia ser um cara azarado. Discordo. Isso ele não era! Nasceu perfeito, no Rio de Janeiro. Era o primogênito de uma família financeiramente abastada. Não tinha nenhum tipo de alergia e nem catapora na infância ele teve. Sobreviveu a duas epidemias graves de Dengue na cidade sem ter tido uma pontinha de febre e isso morando em Jacarepaguá City! Definitivamente, azarado ele não era.
Na verdade, o cara era...sei lá, tipo...desajeitado. Tinha um coração do tamanho do mundo e sua simpatia conquistava a todos. Só que na hora de colocar a bola para dentro...Quantas vezes coloquei ele na cara do gol – vai, meu filho, faz teu nome, “si consagra” – e nada.
A Linda, por exemplo. O nome já dizia tudo. Sorrisos largos, peitos fartos, cabelos loirinhos, quase brancos. Olhos azuis, da cor do céu. Aquela menina era um sonho. Fiquei dois meses chamando ela para sair e quando ela finalmente disse sim, perguntou-me se eu não podia levar o Murilo. Nunca tive inveja do meu amigo e coloquei ele, uma vez mais, de frente para o crime.
Naquela noite, tudo corria bem. Arranjei também uma companhia, das antigas, e logo me entendi com ela, deixando o carro e o caminho livre para Murilo se entender com Linda. De repente, a menina saiu correndo do carro, de roupa. Entrou no táxi, virou, sumiu, deixando o resto de Murilo no chão. Sem entender nada, perguntei:
- O que houve, você foi rápido demais?
- Não, cara! Não sei. A gente nem tinha começado nada. Eu ainda tava dando a idéia, falando umas coisas bonitas para ela no ouvido e de repente, ela fez aquilo, saiu correndo, sei lá. Mulher maluca.
- Mas o que você disse para ela? O que você disse? Qual foi a última frase?
- hehehehe. Eu disse para ela que ia deixá-la maluquinha com o meu Auschwitz sexual, que eu ia exterminá-la, acabar com ela.
Você pode achar que estou sendo exagerado e que aquela brincadeira, embora esdrúxula, não fosse motivo para a menina sair correndo daquele jeito. Daria até razão a Murilo e ao leitor, se Linda não fosse judia e tivesse perdido a avó nesse campo de concentração, durante a segunda grande guerra.
Aquela não foi a única mancada de Murilo em sua vida amorosa. Em outras oportunidades - e não foram poucas - ele sempre dava um jeito de estragar tudo, quando estava quase chegando ao clímax. Deu cabeçada em uma quando tentava abrir o sutiã da moça, capotou com o carro ensinando uma outra a dirigir e afogou uma terceira ao tentar transar com a bela, dentro de um caíque, em plena lagoa de Araruama.
As coisas pioraram quando chegou o momento dele procurar emprego. Numa primeira tentativa, espirrou secreções em cima da roupa de sua entrevistadora. Apesar da longa amizade com o seu pai, a senhora não foi sensível à falta de postura do rapaz e o demitiu antes de contratá-lo.
Entrou para a faculdade e o pai resolveu lhe sustentar por um período maior, até terminar os estudos. Fez graduação, especialização, mestrado e quando entrou no doutorado, ganhou uma bolsa. Sua mesada passou da responsabilidade de seu pai para o Estado. Deixou de ser estudante profissional aos 34 anos e foi indicado por um professor para o cargo de supervisor de Língua Portuguesa num conceituado colégio de Curitiba. Pela primeira vez na sua vida, saiu-se bem na entrevista e foi aprovado pela banca. Quando recolhia o material de sua apresentação, uma senhora, sentada ao fundo do auditório, intrometeu-se:
- Só um momento, por favor. Não estou certo de que este rapaz deva ser aprovado. Ele cometeu um erro grave em sua apresentação. Como assim “Aranhas Marron”? O certo não seria “Aranhas Marrons”?
Murilo ficou segundos preciosos em silêncio. Não que ele não soubesse a resposta na ponta da língua. Mas pensou em tudo o que viveu em sua vida até aquele momento, em todos os seus fracassos, decepções, em todas as bolas chutadas para fora. Não conseguia acreditar que uma vez mais, entraria para a história pela porta dos fundos. Respirou fundo e pensou: Hoje, não! Hoje, não!
- Prezada senhora. A palavra “marron” aplicada nesta frase é um adjetivo, pois qualifica o substantivo aranha que o antecede. Não estamos nos referindo a todos as aranhas marrons, mas a um tipo específico de aranha. O “marron” dessa frase não se refere a cor da aranha. Se assim o fosse, caberia o plural, com em aranhas azuis ou aranhas vermelhas. Este “marron”, porém, refere-se a uma particularidade, uma qualidade desse aracnídeo que o difere dos demais. Por esta razão, o termo deve permanecer com flexão de plural invariável, permanecendo no singular.
- A senhora levantou as sobrancelhas, colocou-se de pé e sentenciou: Parabéns senhores, fizeram uma grande escolha.
Todos aplaudiram Murilo, que não se continha dentro de si de tanta felicidade. Finalmente, depois de tantos atropelos conseguia não falhar no momento decisivo - Hoje, não!!! - vibrava, cerrando os punhos - Hoje, não!!!
Entre tapinhas nas costas, cumprimentos, abraços e sorrisos, caminhavam lentamente por um corredor até uma sala onde uma grande recepção ao novo contratado da empresa estava sendo preparada:
- Parabéns, Murilo. Você foi brilhante!!!
- Ah! Obrigado. Nem tanto quanto o cabelo roxo daquela senhora que tentou me pegar ali no final, vocês viram – hehehehe – parecia um abajur.
Todos se olharam constrangidos. A senhora saiu de trás dos rapazes e estendeu a mão direita à Murilo:
- Prazer. Telma Herman – Eu sou a dona disso aqui.
Murilo tremeu feito “varapau”, rezou para tudo o quanto foi santo, mas na altura dos acontecimentos a resposta as suas preces só poderia ser uma:
- Hoje sim, Murilo. Hoje, sim.
Por: Henrique Biscardi
kkkkkk
ResponderExcluirAdorei o Murilo, espero ver outras de suas aventuras. Rolou uma... identificação.