terça-feira, 9 de agosto de 2011

MALÚ E A GRAVIDEZ DE JOÃO.


Pensou em ir de carro. No entanto, sentiu que precisava andar. Caminhou por quatro quarteirões, aquecendo as mãos. Apesar de fria, a noite estava clara. Estrelas e uma lua enorme faziam ele sentir-se em paz. Uma paz que emanava do peito, que lhe fazia sorrir e sonhar. A caminhada aplacava-lhe, também, a ansiedade. João caminhava e pensava coisas sem o menor nexo, sem o menor sentido. João caminhava, despretensioso.  

Em casa, Malú estava em sintonia. Para ela, não havia diferenças entre os suspiros feitos de clara de ovo da panificadora Jóia da Vila ou os croissant de chocolate da Via Viena. Ela não comia doces, não se importava com doces. Importava-se com João e tinha temores sinceros de que ele viesse a enfartar.

Há meses João vivia assim: Quer água, meu amor? Você está bem? O travesseiro está numa altura boa? Foi tudo bem no trabalho? Algum sangramento? Tontura? No terceiro mês, Malú não suportou a pressão e gritou: Porra! Não enche o meu saco, João!!! Eu não estou doente, caralho. Estou grávida, João!!! grávida!!!

Desde então, João era só silêncio. Mas Malú o conhecia. Ela sabia que, mesmo sem dizer uma palavra, ele a estava observando e lhe cercava de todos os cuidados. A menina aprendeu a conviver com isso e para não explodir de novo, mandava ele para lugares cada vez mais distantes. No começo, o rapaz atendia os seus pedidos de carro e voltava mais rápido do que ela desejava. Malú, menina esperta, percebeu a falha em sua tática e passou a lhe mandar várias vezes a rua, em distâncias menores.

Dessa forma, o equilíbrio foi alcançado.  João estava caminhando e já perdera cinco quilos. Enquanto sua esposa ganhou preciosos tempos em que podia fazer algumas estripulias, como dar uma malhada de leve, uma limpada básica na casa ou mesmo preparar o próprio jantar.

Naquela noite de quinta, Malú mandou João para bem longe. O rapaz distraiu-se com as calçadas largas e a fumaça que saia de sua boca ao respirar. Foi mais longe do que costumava. Mas, àquele dia, estava aparentemente calmo, tranquilo. Caminhou vagarosamente, tanto na ida, quanto na volta, cantarolando cantigas de sua juventude.

Quando chegou em casa, já perto das onze, com um largo sorriso no rosto. Trazia em uma das mãos geladas, uma bela torta de amoras frescas que certamente Malú jogaria em sua cabeça, estivesse ela a caminho do hospital – pensou João.

Tudo ficou turvo diante das vistas do pobre rapaz. Um arrepio gelado subiu-lhe pela espinha dorsal. João saiu correndo, sem rumo e sem torta pelo meio da rua. Pensou em chamar por vizinhos, policia, ambulâncias. Abri novamente as portas de sua casa e caminhou até o quarto. Ficou errático ao se deparar com  Malú. A moça estava deitadinha, de lado, na cama.  Saboreava um copo de suco de frutas, gelado, entretendo-se entre um programa de entrevistas que passava na televisão e a revista que tinha em mãos. João procurou Bebel pela casa inteira:

– De novo não, João. Ai, meu Deus. Amor, senta aqui – disse Malú puxando João pela manga direita de seu moletom. Pare de se preocupar. Quando Bebel estiver chegando, eu te aviso. Pare de ficar nesse desespero e não esquece de levar o celular quando sair. Vai. Tome ele aqui. Aproveita e leva o Fred para passear que ele ainda não fez coco hoje.

 Pensou em ir de carro. No entanto, sentiu que precisava andar. Caminhou por quatro quarteirões, aquecendo as mãos...João e seu labrador. 

Por: Henrique Biscardi