sexta-feira, 27 de maio de 2011

MALÚ E O iPOD DE HONG KONG

Tem mulher que é melhor deixar quieta, não despertar. Dependendo do dia e das circunstâncias, essa opção pode fazer toda a diferença ou mesmo tornar-se uma questão de sobrevivência.   Porém, as vezes a coisa foge ao nosso controle e aí...

Arregalou os olhos e enfurecida amaldiçoou aviões e companhias aéreas do mundo. Sobrou até para o pobre do Santos Dumont. De certo, ela nem pensou. Porém, se tivesse lembrado, nem mesmo os vôos espaciais e suas tripulações escapariam de sua ira. Desejou mesmo voltar aos tempos das cavernas e dormir, hibernar, em paz. Muitas coisas a irritavam na vida. Acordar cedo estava naquela lista. Ser acordada, a encabeçava. 

A culpa era de João. Pensou no bom comércio local, nas boas escolas de seus futuros filhos  e no fácil acesso aos meios de transportes. Na hora da compra, diante de sua amada esposa, destacou a segurança de se morar num condomínio fechado. Falou sobre as árvores que, ao redor, garantiam uma boa qualidade do ar.  Pontuou a distância entre as casas, o que, teoricamente, lhes trariam silêncio, paz e privacidade. Tudo perfeito. Aquele corno, filho da puta – disse Malú, mais tarde –  esqueceu-se, apenas, de olhar para o céu.

Enquanto pensava em aviões, Malú desconheceu aquele tom na pintura de seu quarto – Pêssego não é salmão, porra! – Pegou o telefone. A moça, do outro lado da linha, lhe garantiu que aquela havia sido a escolha de João. Na gaveta da cômoda, a nota fiscal deu razão à vendedora da loja, fato ignorado por Malú,  já se ocupando de analisar a fatura do cartão de crédito de seu marido.  

Ela insistia em saber, mas a atendente do Call Center, seu coordenador, supervisor e superintende falaram-lhe sobre sigilo e ética. Cagou. Mandou todos de volta para quem os pariu e buscou outros meios de decifrar o que significava aquela maldita sigla, JSB.

– Essa porra é motel, tenho certeza! Fi-lhô da puta! Mas eu capo, aquele corno-viado, eu capo.  – garantia a moça, enfurecida.

Um site de buscas atribuiu a procedência da loja à Hong Kong.  Califórnia também estava entre as opções. Porém,  João tinha estado há  pouco mais de um mês na Ásia. Malú já não tinha dúvidas:

 – É isso! Aquele corno esteve num “puteiro” chinês. Filho de uma puta! Porra! É foda! Me trair, tudo bem. Mas como uma puta chiensa, numa porra de uma cabana de bambu é foda. Filho da puta! Eu mato esse filho da puta. Ele vai ver o que eu vou fazer com ele. Me traiu numa cabana de bambu... fi-lhô da puta. Ele  vai ver o que eu vou fazer!

Andou de um lado a outro da casa, a pensar. Repetia a si mesma – Homem é tudo igual. Foda!  Esses putos adoram um fetiche. Mulher diferente,  oriental,  ruiva, sei lá..eles amam. Foda! Malú era muito ligada em sinais. Azar da  vendedora com traços asiáticos que bateu a sua porta.  Ofereceu-lhe bebida à base de lactose. Sorte de Migo, o rottweiler da casa. Ele não pegou a moça, mas adorou a bebida.

Malú não gostava de dirigir. Aquele dia, abriu exceção. Percorreu o trajeto de 20 km até o escritório de seu marido em apenas 15 minutos. Um segurança reconheceu a moça ao volante do Corola prateado de João, seu  preferido. Ofereceu-se para estacioná-lo. Ficou sem resposta e surpreso com a negativa de Malú. Virou as costas e preferiu não intervir quando viu a moça satisfeita e sorridente, arrastar o carro, propositalmente, na lateral do pelotis de sustentação do prédio.

Com classe, ajeitou os cabelos, retocou o batom e admirou-se diante do espelho. No 5º andar,  uma última olhada antes de deixar o elevador.  Após ser gentilmente cumprimentada pelo sócio de João, pensou na bondade de seu marido e chegou a decidir-se por recuar. Não fosse a imagem chamativa da secretária –  num decote genetoro e...ruiva!!! – teria mesmo recuado.  

Entrou triunfante pela ante-sala e dirigiu-se a provável “pegueti” de seu marido. Aqueles fios de fogo no telhado e o silicone avantajado, a incendiavam novamente. Por baixo do sobretudo que cobria seu corpo esguio, apenas uma calcinha de rendas em grená e preto, do tipo fio dental, e presa apenas por lacinhos de fios de seda.  Gostou ao saber que a diretoria estava toda reunida. Sua única preocupação era mesmo a mesa de reuniões, longa e em vidro. Será que agüentaria o seu peso?

A secretária não imaginou que Malú fosse entrar.  Nem mesmo quando a moça, sensualmente,  dirigiu-se até a porta. Do lado de dentro da sala de reuniões, olhares libidinosos e um pobre João, acabado. Do lado de fora, Verônica, a ruiva siliconada, curtia os assobios e a música, saída do iPod de Malú, último mimo de seu marido, comprado  especialmente para ela na JSB eletronics, de Hong Kong.  


POR: HENRIQUE BISCARDI

sexta-feira, 20 de maio de 2011

A MENINA DO LIVRO RISCADO

Saia rodada, bata colorida e um belo sorriso. Mascava chicletes. Tirou-os da boca com a ponta dos dedos e olhou para João. O rapaz tentou não lhe dar atenção. A moça insistiu. Conversaram longamente, já à mesa. Enquanto comia, disse a ele que queria trepar. O rapaz tinha um compromisso e lhe ofereceu uma carona. Na despedia, um beijo e um bilhete com o endereço.  

Uma chuva torrencial caia a sua frente. Andou quilômetros pelo nada. Sem saber que havia chegado, atolou as rodas no barro. Desceu do automóvel e a lama parecia sugar-lhe as pernas. Um senhor magro, de pele curtida e mãos firmes, lhe prestou socorro e o convidou a taverna.  João olhou em volta. Ambiente escuro e sombrio. Aceitou de bom grado a manta e uma caneca de  “quentão”. Enquanto seu corpo se aquecia, o velho acendeu seu cachimbo de fumo adocicado.

Algumas perguntas iniciais tiveram respostas evasivas. O homem mudou de feição quando João perguntou por Bebel. Os olhos cansados do nativo perderam-se no horizonte. Falou da menina num misto de medo e saudade –  Mulher ardilosa, sagaz – esclarecia o homem – nascida da terra, do barro. Dizem que foi a criatura mais bela que já andou por essas terras. Bela e perigosa.

Aos onze anos,  a menina ficou fascinada com o que viu na vitrine. O cultivo escapou-lhe das mãos, o que lhe rendeu um puxão nas orelhas e um safanão de seu pai que a arremessou ao chão.  Das mãos bondosas de uma velha senhora, ganhou um lenço de papel e o livro riscado que tanto admirava.

Isabel  dizia a todos que o homem veio do barro – História esquisita de um tal de Prometeu que desafiou Deus. O homem  roubou lá um fogo, que era sagrado. Foi esse fogo que teria dado  vida a nós – dizia o velho –  Deve di ser verdade. É só barro que existe por essas bandas mesmo. Os homens da capital, esses podem ter sido feito de pedra, de cimento, de carne. Mas nós aqui do sertão, não!  Somos tudo feito de barro. A menina era muito inteligente – concluiu.

João sentia-se incomodado. Um frio subiu-lhe a espinha no decorrer da história.

– Sabe, doutor. Esse Deus aí que a menina falou...dizem que ele fez a mulher para se vingar de Prometeu, trazendo desgraça aos homens. Mulher feita de barro também, igualzinho a nós.  Mas com tanta formosura que nenhum de nós fosse capaz de resistir. Bebel era assim, desse jeito.

João encheu-se de coragem e quis saber mais sobre Bebel e seu livro. O homem lhe disse que aquele livro, de alguma forma, mexeu com aquela menina que, desde muito cedo, mostrava-se diferente das outras. Caçula de doze filhos, ela não queria o mesmo destino dos irmãos. Fugia da cana e nem se importava de levar com as chinelas no lombo. Queria a escola, os livros e sair daquela cidade. Vendida foi por duas vezes.  Jogou-se, com perícia, do banco do caminhão. Estava acostumada a misturar-se à lama. Quando fugia, ninguém lhe alcançava pelas terras de barro, por dentro do canavial.

Numa tarde, porém, o destino lhe alcançou. A menina jogou para cima jarro d´água, prato e comida. Agarrada ao livro riscado, correu do cheiro da cana, do sol que lhe queimava a mufa e do suor que lhe ardia os olhos. Descia e subia.  Tanto fazia, que fez o corpo cair, o joelho ralar e o homem chegar.

Foice de um lado, canaviar de outro. A barba lhe roçava os seios e as mãos atacavam as cerdas de seu corpo. Não houve  grito, choro ou lamento. Apenas um breve bufar de dor naquele corpo rosado, de penugem fina. O viajante entrou em seu caminhão, se pos no mundo e, como tanto outros, nunca mais ouviu-se falar dele. Isso é comum aqui por essas terras. Eles vem, abusam de nossas mulheres e as deixam a própria sorte. Mas, como eu disse, amigo, com Bebel era diferente. 

João se inquietou ainda mais com aquela história.

Dizem que quando a noite daquele dia chegou, a chuva desceu, torrencial. O corpo de Bebel, jogado ao relento, se misturou à lama. Os deuses, sobre o solo, despejaram raios e uma centelha do fogo sagrado lhe atingiu o peito. Depois desse dia, muitos já disseram ter visto ela por aí. Saia rodada, bata colorida...sempre carregando o tal livro riscado. Ela seduz os coitados e os transforma em barro – disse em tom de confessionário.

Como assim? –  indagou João

Amanhecem barro!Um monte deles já viraram barro. Lá pelas bandas do Quixadá, fizeram até um lugar para enterrar essa gente. Mas, provar , ninguém nunca provou não. Também , sabe como é, né?  enterraram homens de barro no barro! como é que faz depois para achar se tá tudo misturado?

Falam po aí que Bebel era uma dessas deusas de que lhe falei. Ela foi enviada a terra para acabar com o sofrimento do sertanejo. Veio para trazer água e progresso. Mas, violaram o corpo da pobre menina...como castigo, os Deuses lhe dotaram de fogo... É, o fogo que derrete o homem e o transforma em barro. Está escondido em seu ventre!  Quem a toca, ó, vira estátua. 

João arrepiou-se. Arrependeu-se profundamente por estar ali. Achou mesmo uma boa idéia desistir da trepada. Olhou para o lado e nesse descuido nem notou que o homem a quem falava desaparecera. Foi então que bateu o desespero. Tentou sair, mas a porta não abriu.  Uma dor intensa no abdômen o levou ao banheiro. A porta rangendo e o vento assobiando aumentava a tensão. A sombra de um vulto no teto lhe fez disparar o coração. Perfil de menina. Rosto fino, cabelos longos, carregando um livro na altura da cintura. A mesma pele rosada, a mesma penugem fina.

No vale de Quixadá, dizem, há por lá uma nova estátua.  É de um homem. Um homem de aparencia triste e inocente. E não se sabe ao certo por que cargas d`agua, deram a lhe chamar de João.


Por: Henrique Biscardi

sexta-feira, 13 de maio de 2011

OS HORMÔNIOS DE MALÚ

Coisa mais antiga, uma caneta e um pedaço de papel. É isso mesmo que ela queria! Queria ser antiga. Estava cansada de ser moderna e fingir que nada sentia. Ela queria colo, queria carinho. Não queria remédio. Achava a modernidade estranha. Minha avó era feliz – dizia – Seu marido lhe compreendia, lhe socorria. Não quero uma porra de um complexo químico que me narcotize. Eu não quero isso! Quero ser frágil, quero ser mulher. E quero um marido, antigo. Que me sustente e me atenda em meus caprichos. Não quero meus hormônios dialogando com essa catota amarronzada e patética.

Imaginou que uma folha de papel amassada, banhada em lágrimas e perfume, esculpida por tinta de caneta preta e arremessada ao vidro do parabrisa dianteiro de seu Meriva,  com quem ele transava mais do que com ela, seria suficiente. Então, propôs-se a escrever.  

As palavras, porém, era a dificuldade. Seus pensamentos eram conflitantes e faltava-lhe concentração. A televisão ligada, num outro cômodo. O tique-taque do relógio da cozinha, o rangido da cadeira em atrito com o assoalho, a metamorfose dos hormônios, o sarcasmos dos neurônios, tudo a incomodava.

Levantou-se. Sentou-se. Acomodou-se no sofá. Almofada entre as pernas. No momento seguinte, levadas à nuca, ao pescoço, ao chão. Derrubou o abajur – Viado!.Levantou-se. Deitou-se. Levantou-se. Tropeçou nos chinelos que lhe machucaram os dedos – Viado!.  Caminhou até a cozinha e abriu a geladeira. Dedo no copo da geléia,  dedo na boca, mão na tampa, corte no dedo – Viado!.João novamente, na mente – Aquele corno, viado!.

Ela nunca o fez corno e se o fizesse ele nem se importaria. Provavelmente o máximo que ela conseguiria era um empate. João não era brocha, não negava fogo. Não era pobre, sujo ou mal educado. Não era vagabundo. Não tinha mãe que ela pudesse ofender. Não tinha irmão viado. Tinha um irmão. Sim, tinha um irmão. Tão bonito, charmoso e gente fina quanto aquele filho da puta. E a folha continuava vazia.  

Linhas vazias que gargalhavam daquela imagem patética. Olhos esverdeados, encharcados. Rosto redondo, nariz vermelho, enorme. Uma caixa de lenços de papel, usados, espalhados pelo chão frio e encerado. Malú virou um copo de água, com açúcar. Pensou em usar o telefone.   Pegou o fone. Colocou-o na mesa. Pegou o fone, colocou-o na mesa. Pegou o fone...

As horas passavam e Malú chorava. Chorava e nem sabia porquê, chorava. Ria também. Ria e chorava. Olhou para João que, no porta retrato, lhe sorria. Um sorriso que lhe parecia sarcasmo. O segurou entre as mãos e o xingou. Não apenas ele, mas até a sua sexta geração. Depois, com ele conversou. Queria alguma resposta. Jogou-o em cima da cama e desta vez foi ao telefone e ligou mesmo:

- O quê?
- Me traz uma coisa?
- Sim. O que?
- Uma coisa, João! Uma coisa!
- Eu levo amor, mais o que?
- Arg! Homens! Nada João, nada. Vai à merda, João. Vai a merda!

Malú desligou o telefone e rendeu-se. Escureceu o quarto. Ligou o ar-condicionado, colocou seu pijama de flanelas com desenhos de joaninha e deitou-se. Suas lágrimas secaram e o cansaço lhe venceu. Dormiu.

Às 18h30 João chegou. Preparou uma bacia e a encheu de água quente. Levantou o corpo de sua amada suavemente. Ela abriu os olhos e pendurou-se em seu pescoço. O rapaz trazia um chá e um comprimido de Postam. Ela tomou a medicação e lhe retribuiu com um beijo carinhoso, enquanto o rapaz massageava os seus pés submersos na água morna:

- Obrigado, meu querido. Você é um amor. Acho que o tratamento está dando certo, este mês  estou bem melhor, não acha?

- Bem melhor, amor. Bem melhor!


Por: Henrique Biscardi

  

quinta-feira, 5 de maio de 2011

O PEDIDO

Buscava um significado em cada coisa. Uma luz, um sinal. Olhou para aquela moeda dourada, fosca e suja, e pensou em seus dias dourados. Da alegria de surgir no meio de uma esteira e desfilar por entre olhares cansados e libidinosos. Cair dentro de um saco plástico e passear de navio, de lancha, de barco, carros e motos. Descansar na boca de um caixa, nas mãos felizes de uma criança, na barriga de um porquinho. Depois, juntar-me com suas amigas e fazer uma festa! Transformar-se numa bola de sorvete, numa revista de pintar, num livro, num vestido, num carro, numa casa...Malú queria mais de sua vida, queria ser feliz.

Sentia uma inquietação em seu peito. Imaginou que o garçom, parado próximo às costas de sua cadeira, imóvel feito um dois de paus e baforando em seu cangote, fosse uma espécie de segurança. Sua missão não seria a de apenas apressar-lhe o pedido, mas garantir que ela o aceitasse. Malú se sentia incomodada.

Um outro funcionário aproximou: com sua licença, senhora – e precipitou-se a limpar a mesa. Passou uma escovinha, caçando as migalhas. Retirou uma lata de refrigerantes e duas xícaras de café vazias. Seu erro foi mexer no pires:

- As balas o senhor pode levar, a moeda é minha.

Robério espantou-se e olhou para o “segurança” que também não entendeu. O rapaz, porém, achou que seu emprego valia mais do que um real e deixou Malú ficar com sua gorjeta.  A moça colocou a moeda de volta à mesa. Seu olhar deixava claro, no entanto, que ali devia ser o lugar dela.

Suas pernas balançavam num ritmo alucinante. Chamou Robério e pediu as balas de volta. Chupou todas. Entre cada uma que ela absorvia,  uma olhada no espelho e uma passada com os dedos no canto da boca, ajeitando o batom que nunca estava bom. O ritual seguinte era o do celular. Tirava-o de dentro da bolsa e olhava.  Primeiro, a hora. Depois, chamadas e mensagens. Nada de novo acontecia. Mas Malú não reclamava das horas. Sabia que Estava bastante adiantada.

Percebeu, após algum tempo, que havia uma televisão ao fundo de cada lado do salão. Porém,  não havia som e as vistas já não  lhe oferecia condições para a leitura das legendas. Mesmo após observar que se tratava de um canal de notícias, o que não lhe interessava muito, fez questão de trocar de mesa. Levou consigo, a moeda. Manú sentiu-se mais confortável e sem que ela pedisse, lhe ofereceram água, a qual foi prontamente aceita. 

João chegou na hora marcada e a inquietação de Malú aumentou. Olhos arregalados, rosto esbranquiçado, uma cara de pavor. O sorriso do rapaz logo amarelou. A moça estranhou que o “segurança" já não lhe acompanhava. O estresse agora era em função da demora em lhe trazerem o cardápio. Suas pernas balançavam ainda mais e suas mãos só pararam de sacudir no ar quando não apenas um, mais dois garçons vieram em seu socorro. O "segurança" também aproximou-se. Malú segurou firme a moeda.

João tentou se servir, mas a menina raspou o arroz com brócolis da pequena travessa que mergulhou em seu prato. A batata gratinada e a maioria dos cubos de frango fritos que emergiam pela copa do abacaxi, ensopados por catupiry, tiveram o mesmo destino.  

O rapaz estava com fome e com fome ficou. A velocidade com que Malú falava e comia lhe tiraram o apetite. Sem mencionar que pouco lhe restou para que pudesse formar um prato.  O frango, o arroz, a batata, o copo de vinho, tudo misturado, triturados e liquidificado na boca de Malu. As palavras de Malú não faziam o menor sentido, mas João mantinha a calma e concordava com tudo. Irritou-se apenas com os olhares incrédulos dos garçons que disfarçaram e dispersaram. Depois de alguns minutos, Manú respirou, limpou a boca, descansou o guardanapos sobre o colo e, finalmente, olhou para João.


O rapaz olhou para a Malú, que apresentava o rosto um pouco mais corado. Puxou-a pelas mãos, aproximou-se e lhe dei um curto beijo nos lábios. A moça o correspondeu  sem muita paciência, como quem esperava ansiosa por algo. O rapaz voltou ao assento de sua cadeira, abriu um sorriso e puxou, do bolso esquerdo de seu paletó, uma caixinha prateada.

Antes que o rapaz pudesse dizer qualquer coisa, Malú arrancou-lhe a caixinha, o anel e o pedido de sua boca. Pegou a aliança de brilhantes e ela mesma a colocou no dedo anelar da mão direita. Com os olhos marejados, tirou do bolso de seu casaquinho aquela moeda e a levantou na direção da vista do rapaz:

- João! Seu anel é um encanto, lindo, maravilhoso e eu aceito sim, casar com você. Agora, Está vendo essa moeda? Está vendo?  O seu brilho, João já causou grande encantamento, sabia? Essa moeda, João, já percorreu o mundo. Andou de navio, barco, iate, avião. Foi cobiçada por muitos, João, embora alguns não lhe tenham dado tanto valor. Esse moeda, João, já fez a alegria de crianças, já foi o início de grandes projetos. Essa moeda, João! Essa moeda! Está vendo? Está vendo?

Fez-se silencio por alguns segundos, enquanto João encarava a moeda, na cara e na coroa:  

Quero ser feliz está entendendo? Quero ser feliz! Então, mais uma vez eu digo: caso sim, caso com você. Mas guarde bem guardado, muito bem guardado, essa moeda. Dê valor a ela. Muito mais do que o meu sim e esse anel caro, lindo e maravilhoso que você acaba de me dar, e ela que, se você me amar de verdade, vai nos manter unidos, entendeu? Entendeu, João?

João pegou a moeda, guardou-a na caixinha prateada e a colocou no bolso, enquanto  Malu, tranqüila e serena, escolhia a sobremesa.

Por: Henrique Biscardi