sexta-feira, 29 de abril de 2011

O ARMÁRIO DE CEDRO

Ficou em silêncio. Trancada no armário de cedro. Uma sensação gostosa de aconchego e prazer. Primeiro, sua mãe. Depois, seu marido. Entraram e saíram de sua vida, mas ela nunca esteve só. No escurinho, entre roupas penduradas, cintos e sapatos amontoados, uma porta sempre se abria. E o mundo era diferente, mais colorido.

Não era o “País das maravilhas”. Mas havia João. Havia também medo e solidão. Mas havia João! Os sonhos...seus sonhos sempre foram gigantes, gigantes como João. Às vezes, seus pensamentos voavam em marcha ré. Na maior parte do tempo, no entanto, avançava ferozmente, vorazes espartamos mudando o curso da história.

Sua mente,  apaixonada e intensa, desbravava mundos que ela construía e outros que ela intuía existir, para além daquela medíocre existência que rondava o seu armário de cedro. Caminhava,  corria, seguia. Sempre, na companhia de João.

Carpinteiro, rebento de Ananias, pai e filho construíram praticamente toda aquela cidade com suas próprias mãos, João era só orgulho. Queria terminar a obra de seu pai e aquela mansão parecia-lhe apropriada. Não esperava conhecer Manú.

A moça, porém, quando viu a casa se encantou por João. Correu, feito criança, para a varanda. Ajeitou o vestido curto por cima dos joelhos que abraçava e onde apoiava o queixo para admirar o lago que se estendia a sua frente. Ao final da tarde, trocaram olhares e o rapaz segurou sua mão. O coração dela acelerou. Tensão, prazer e medo não passaram desapercebidos pelos olhos de Pompeu.

Numa tarde em que chovia, descia as mãos por entre as cobertas e puxava João para dentro de si. Chovia além de suas forças. Manú amava além de suas forças. Prendia a respiração, contraia e saltava o seu corpo. Contraia  e soltava. Fugia e voltava, num ritmo, no ritmo das pisadas nas escadas, nas piscadas dos olhos de Pompeu. 

Naquela tarde, Pompeu precipitou-se e trouxe consigo a tragédia. Um carro ao lado de fora e a pele suada de sua esposa impulsionaram suas mãos ao rosto de Manú. João saiu em sua defesa e corpos foram ao chão. A moça apavorou-se. Desceu as escapas e ao vazio, gritou. Campos verdes e infinitos foram suas testemunhas. Sentada à cadeira de palha, pernas encolhidas, joelhos abraçados, lágrimas desciam. 

Dias e noites passaram e aproximou-se aquela que prometia ser a última tarde de inverno. Quando o tempo findou, desceu as escadas lentamente. Sentada à cadeira de palha, pernas encolhidas, joelhos abraçados, lágrimas desciam. Pouca gente entendia a sua dor. Quando os homens chegaram, resolveu resistir. Subiu as escadas e trancou-se no armário de cedro.

A casa estava vendida à meses. Depois da demolição, seria erguido um prédio. Alto, firme e vigoroso, de onde se veria toda cidade. Seus horizontes, porém, pensou Manú, seriam finitos e limitados. Aquele prédio jamais poderia ser maior do que seu armário de cedro.


Muita gente a avistou, de longe, na ponte. Garantem que nela, Manú equilibrou-se, feliz. Em pé, a beira do precipício, pernas alongadas, joelhos flexionados, braços abertos, seus olhos sorriam. Seus cabelos longos e finos, esvoaçavam, feixes de luz dourada riscando os céus, encontraram o mar.

Durante dias, procuraram por Manú. Uns dizem que a menina entrou no armário e de lá não saiu mais. Moradores antigos da cidade, juram que João construiu não apenas a ponte, mas também o rio e que esperava pela menina em seu leito sul. Da ponte, confirmam, a menina se atirou. O certo é que ao norte, no alto da colina, o prédio com vista para cidade jamais foi erguido. Virou ruína, onde sobrevivem pedaços de paredes, e um armário de cedro. 

Por: Henrique Biscardi

terça-feira, 26 de abril de 2011

BEBEL, AMOR E POESIA

Em um domingo que parecia monótono, a moça não conseguia desvencilhar-se da cama. A muito custo, e já com o corpo cansado de descanso e descaso, sentiu-se atraída pela biblioteca. A biblioteca da primeira transa, inspiradora.

A camisola, curta e transparente, deixava à mostra a micro calcinha e as nádegas de bom tamanho, textura e formação que João, no entanto, ignorava. O vizinho, não. As janelas estavam sempre entreabertas e o rapaz com as mãos calejadas, segurava o binóculo como podia, evitando que lhe escapasse o enquadramento desejado.   

Isabela sabia. Escolhia um livro, colocava-o à mesa e se abria. Naquele dia, porém não foi um livro qualquer. Era um "Mário Quintana" que lhe surpreendia numa mensagem quase proposital: “A poesia não é inspiração pura. não é só ficar esperando que o santo baixe. É preciso puxar o santo pelos pés, e isso dá trabalho. Esse é o trabalho da poesia”.

A menina ficou pensativa e ergueu-se. Pensou que João não podia ser o santo – realmente não era. Olhou para trás e concordou que o rapaz tímido e com a mão melada que a observava também não era. Mas quem? Quem?

A moça esqueceu mesmo o santo e desceu Bebel. Saiu molhadinha da biblioteca e no batente da porta, mordeu os olhos, fechou os olhos e contorceu-se, chamando por João. Com o controle remoto da televisão a mão, o quadrúpede olhou sua mulher rapidamente, de rabo de olho, enquanto aproveitava a virada de lado para levantar as calças do pijama e dar aquela coçada básica na bunda.

O pior foi o sorriso babaca no canto da boca – eu hein! Isabel tem cada uma. Louca. Deve estar querendo alguma coisa. Nem venha, estou duro! E de mais a mais, não vê que estou vendo o jogo! 

Bebel lia pensamentos como ninguém. Pensou em descer para o meio da rua e, como um personagem de cinema, dar para o primeiro homem que aparecesse. Pensou no vizinho, mas aquele, coitado, àquela hora, pouco já tinha para oferecer. Queria alguém que lhe pegasse de jeito, e lhe quebrasse ao meio. Queria que o chifre, na cabeça de João, pudesse ser visto do começo ao fim da Av. Paulista.

A revolta aumentava: “Corinthians é o caralho!” – pensava Bebel.  E João permanecia prostrado, largado, barbudo, cabeludo e suado, naquele belo sofá, fedido e encardido, que há fora palco de grandes espetáculos. 

Bebel parou nua, à frente do televisor. As cortinas abertas, varanda escancarada.  Já  não havia apenas o magricelo da janela de frente, mas um Morumbi inteiro a lhe admirar. Mas João dormia. Boca aberta, ronco rasgando o nariz e baba escorrendo pelo canto da boca.

Isabel olhou para o lado, sentiu o fervor das arquibancadas e não se fez de rogada. Abaixou as calças do pijama de João, se pos de joelhos e partiu para o ataque. Surpreso, chocado e imóvel, o marido sucumbiu a intensidade dos lábios de sua esposa e lhe suspendeu pelas mãos até a sua boca. Viril e feroz, lhe beijou o pescoço, os seios e o  ventre. Pegou-a pelo colo e rumou à biblioteca. Bebel o conteve:

- Não! Quero aqui.

João a reclinou sobre o sofá e caminhou até a porta que dava à varanda. Bebel gritou e sussurrou em seguida:

- Não! Deixe. Quero tudo aberto.

Estarrecido com a mulher que tinha diante de si, o homem preferiu não quebrar o clima. Partiu decidido para cima de sua esposa e eles se amaram loucamente. João esqueceu-se do futebol e lembrou-se do homem que um dia foi, enquanto Bebel só pensava no Mário: “A poesia não é inspiração pura. Não é só ficar esperando que o santo baixe. É preciso puxar o santo pelos pés, e isso dá trabalho. Esse é o trabalho da poesia”. 

Por: Henrique Biscardi

segunda-feira, 18 de abril de 2011

O QUADRIL


Descia e subia, na rua. Virava a esquina e sumia. Seus olhos a seguiam, você já viu olhos fazendo curva? Os dele, faziam. E como uma destreza!  

– Disfarça – dizia um amigo – use  óculos escuros.  
– Meu amigo – respondia João – é a mesma coisa que chupar balas com papel.  
– Conheço gente que já morreu por conta disso.
– Que seja. Morro feliz.

Quando Geovana subia no ônibus, então, era um espetáculo. Fazia um calor bastante comemorado. Grudado, o vestido marcava as silhuetas da moça.  E a safada – pensava João – nem segurava o vestido. Gostava de dar espetáculo.

João era do tipo ciumento. Alto, corpo atlético, fazia “barreirinha” para a moça subir. Olhava para trás e ensaiava uma cara feia, espantando algum marmanjo que estivesse atrás se deliciando. Torcia para o ônibus estar cheio, mas às duas da tarde! Era difícil – Um dia encosto naquele pêssego – sonhava.

Tudo bem. Ele nem ligava muito. As abas que seu quadril faziam, pousadas sobre o assento da condução e a cintura fina e esguia também lhe davam algum prazer. Era tempo também para a contemplação. Subia os olhos pelas costas de pele branca e macia e o pescoço de pêlos finos e aloirados que a Geovana expunha ao tentar livrar-se do calor.

Quando a corrida para a moça terminava, invariavelmente o vestido estava grudado e o quadril marcado. João se contorcia. Geovana passava por ele faceira e balançava o dorso de um lado para o outro num gingado que só alguns conheciam. Descia devagar e maliciosa os degraus da condução. João seguia o seu caminho, triste, em direção ao seu trabalho, sem deixar de apreciar o bailado que se seguia pelas ruas da Tijuca.

Esperou nove meses e suas férias finalmente chegaram. Naquela tarde de segunda-feira, João tinha o compromisso mais importante de sua vida. Beca nova e passada. Sapato engraxado e cangote perfumado. Abandonou as escadas de seu edifício que descia diariamente. Nesse dia, optou pelo elevador social.

Sentado a portaria, aguardava por Geovana. Pontual, passou às 13h45. Cabelos molhados, vestido estampado e um cheiro conhecido, sabonete ou shampoo. Ela também devia aguardar por João. Caminhava lentamente até aquele número, sem gracejo algum. Era o rapaz apontar no gradeado que separava sua fortaleza da rua, que a menina se transformava em mulher.

Seu caminhar era um passo de dança. Leve e ritmado em movimentos marcados. No bailado de seu quadril, havia uma pausa quase imperceptível entre a subida de um lado e o caimento de outro. A cintura fina e uma discreta lordose completavam o cenário apoteótico.  Para o bem da verdade, Geovana também era linda vindo, de frente. Dois grandes olhos verdes, seios firmes e pontiagudos e um decote generoso. Mas João preferia mesmo, ela indo...à sua frente.

E como nos outros dias, ela foi. Entrou no ônibus, sentou, levantou os cabelos, prendeu-os com um pausinho, olhar despretensioso pela janela, uma certa impaciência, calor. Quando o “seu ponto” chegou, ela desceu. Nem imaginou que aquele dia seria diferente. João também não. Nem reparou que o ônibus parou no meio da rua, distante da calçada. Freada, espanto e asfalto. Ela, olhou e estarreceu-se. Ele subiu, dando uma última olhada naquele quadril. Chegou ao céu, feliz.


 Por: Henrique Biscardi
 





quinta-feira, 14 de abril de 2011

NOSSSSSSSSSSSSSSSSSSA!!!!

Parecia absurdo, mas lá estava aquele homem de meia idade, sentado ao canto do salão, reconstado na parede. Cabeça vagando, olhos girando, cara de bobo. Quiseram expulsá-lo da reunião. Ele e seu riso sarcástico, no canto da boca, debochado. Paula intercedeu por ele e seu esposo, Dr. Alberto, lhe deu apoio. João, a muito custo, concordou. Posicionou-se ao lado do meliante, porém, num olhar extremamente ameaçador. 

Conheço bem o sujeito – dizia o português com o olhar espichado. Fica na portaria o dia inteiro, babando na mulher dos outros, até o dia em que acordar com a boca cheia de formiga. Eu vejo como ele olha para cada esposa que adentra aqui o recinto – explicou para a Dr. Alberto que lhe continha.

Ao longe, Zezinho confidente e amigo, apenas observava a reunião que prometia ser uma das melhores. Logo, a ninfa do 504 apareceu. Vestido de tecido, fino e estampado. Borda acima do joelho, mamilos aparecendo. Costas nuas e bronzeadas. Calcinha mínima, enfiada. Mas não era vulgar, defendia Laerte. Zezinho balançava a cabeça e dizia: Nosssssssssssssa!


Dona Clotilde fez sinal com a mão e seu Aurélio calou-se. Também, com aquele tamanhão! Durante o dia, rolo de macarrão à mão. À noite, coleira e chicote. O pobre homem devia de sofrer. Um dia, bateu a porta de seu Laerte e lhe mostrou uma guimba de cigarros. Laerte pensou naquilo por noites, enquanto Zezinho apenas dizia: Nosssssssssssssa!

Laerte desejava mesmo Eulália. Que mulher! Criou três filhos, sozinha, no laço. Seis da manhã, já de pé.  Pickup na rua. Filhos de unifrome, squeeze e malha apertada de academia. Voltava por volta das sete. Meia-hora passava e, que transformação! Tailler na cor rosa, escuro. Pastinha no braço, cabelos devidamente presos e decotes charmosos e comportados. À noite, dava aulas de ginástica no salão do prédio, e comandava, aos berros, seus alunos. Seu Laerte nunca gostou de fazer exercícios, mas com Eulária, como dizia Zezinho, nosssssssssa!    

Mariza era do tipo recatada e Laerte adorava mulher “fiel”. Teve um flerte com uma amiga do trabalho. Vinte anos de casada, manhãs de domingo na igreja, almoço na sogra. Levava e buscava os filhos no colégio e quando um deles tinha febre, faltava. A melhor transa de sua vida – disse ele para Zezinho,  nosssssssssssssa!

O apartamento 203 foi ocupado recentemente por Odete. Mulata “tipo exportação” comentou com Zezinho. Descia todos os dias, duas da manhã para vê-la chegar. Sapatos plataforma, dourados, brilhantes. Calças em sarja, cumpridas e suadas. Pele brilhante e um sorriso daqueles bem feliz, de verdade – Imagina essa mulher bêbada, Zezinho! Nosssssssssa!

A coisa esquentou no salão, dona Marlene estava exaltada e a ninfa do 504 jogava as pernas de um lado para o outro. Ouviu Sr. Glauco do 302, com os olhos raivosos, lhe indagar alguma coisa que ousou não perguntar. Balançou a cabeça, franziu a testa e concordou. Concordou com tudo, até ver Marília. A moça era simpática, atenciosa e tinha uma voz de quem parece estar incessantemente tendo orgasmos. Sorria com os olhos e com os lábios carnudos. Certa vez beijou o rosto de seu Laerte na frente de Zezinho que levantou os olhos, virou o rosto e resmungou: Nossssssssssssssa!

A noite caindo, reunião próxima do fim. Um João, furioso, partia para cima de Laerte, enquanto este tombava a cabeça para trás, fazendo ploc, ao colidir com o chão. Dr. Álvaro acudiu o moribundo. Na palma de sua mão esquerda uma foto. No fundo da foto um espelho onde surgia Paula, cerrando os olhos de prazer enquanto João, acima, posudo e vermelho, sorria.  Ao ver sua esposa, Dr. Álvaro se enraivou e lá foi de novo a cabeça de Laerte rumo ao chão.  O pobre médico , descobrindo-se corno, levantou-se rapidamente e saiu apressado a procura de João. Ninguém soube dizer o que houve depois. Na portaria, apenas Zezinho refletia: nosssssssssssssssa! 

Por: Henrique Biscardi

quinta-feira, 7 de abril de 2011

UMA OUTRA HISTÓRIA DE JOÃO E ALICE



Subiu as escadas correndo e apoiou as mãos sobre o mural. Olhos atentos e vagarosos. Um suspiro, um grito! A mulher achou exagero, mas Alice não estava nem aí para aquela senhora de olhos cansados. Os da menina, brilhavam. De choro e emoção. Nem conseguia teclar os números da mãe no celular, que pulou saltitante até encontrar o chão.

Pela fresta da veneziana daquele escritório, olhava perdido o horizonte. Sentia um futuro angustiante descer pela garganta junto ao décimo sexto copo de água.   A recepcionista pensou em chamar um médico quando o rapaz entre no banheiro pela enésima vez. Mas ele saiu rápido, como quem não sabia ao certo por quê entrou.

O sol deixou em brasa a corrente do estacionamento e o volante do carro de Alice. Sorte dela.  Condições ainda não havia para pilotar. Fez em trinta minutos um caminho de dez. Quando em casa chegou, pulou quase derrubando a pobre da mãe que lhe abriu as portas e os braços. Trazia em mãos um papel amassado, roubado de um mural da Universidade Católica do Rio de Janeiro. Jogou-se à cama, feito criança, e abraçou a Torre Eiffel que lhe sorria por dentro da moldura de um porta-retratos. Paris nunca esteve tão perto.

Postado diante de Sr. Abrantes quase não abriu a boca. Pálido, gelado e petrificado, aguardava o veredicto que, para sua surpresa, lhe foi favorável. Saiu da sala como entrou, em silêncio. Quando a porta se fechou, caiu a ficha. O rapaz desprezou o galão de água e o banheiro para abraçar Divina, que se defendia como podia dos braços de João. O rapa saiu cantarolando Adoniran  e Cartola pelas ruas de São Paulo. Os dias difíceis no Tucuruvi nunca estiveram tão longe.

A mão acomodou o capo vazio sobre a mesa. O garfo mexia o macarrão molhado de um lado para o outro, como quem foge da chuva. A sua frente, um espelho, de onde se podia ver o mesma massa, seca e rapidamente triturada.  Mas não havia reflexos. Apenas as imagens sozinhas, sombrias, desapercebidas e separadas. De uma lado, o barulho do celular, do motor do carro, das chaves da porta e do porta-retratos se quebrando, arremessado um pouco depois do visto negado, ao armário vazio. Do outro, o silencio ameaçador e angustiante da espera. As esperanças que não se findavam diante das sucessivas promoções que vingaram a sua frente, ignorando a sua espera.

Num canto da sala um choro. Alice desperta e se levanta. Esvazia o prato na lixeira e enche a boca de Bernardo com o seu peito que arregala os olhos sem nada entender. João passa uma água no prato “limpo” e cumpre o seu ritual. Bebe água e caminha até o banheiro. Depois, entra na sala e, calado, houve as notícias do jornal:

Quando a noite chega, João se deita e não entra naquele escritório. Constrói enredos e histórias, ensaia falas,  finais felizes e se lembra do tempo em que desejava ser escritor. Alice, uma vez mais alimenta Bernardo, sentada á poltrona da sala, viaja até Paris. Pesquisa acervos de obras, autores e documentos, e conclui seu mestrado em história da arte.  

No dia seguinte, a mão acomoda o copo vazio sobre a mesa. O garfo junta feijão, arroz, bife e batatas. João sorri para Alice que ainda chora. O rapaz segura a mão da moça e tira do bolso papéis amassados, tão iguais àquele arrancado de um mural da Universidade Católica do Rio. Um pedido de casamento e um bilhete de embarque não ticado.  Alice, olha fixo no rosto de João. A cabeça tomba de um lado para o outro. Seus olhos não entendem o porquê e se entristecem. A menina se levanta. Segura pela última vez o rosto do marido e lhe beija. Agarra firme a passagem de avião e não lha para trás.

Do saguão de desembarque à entrada de um hotel barato no alto do bairro da Glória, no Rio de Janeiro, foram quarenta minutos de um diálogo silencioso. Bernardo, até tentou quebrar o clima demonstrando algum apreço pelos brinquedos novos. Alice se sentia uma estranha.  A moça tinha a percepção sobre a eternidade daquele momento e do abismo que havia entre aqueles dois papéis amassados, colocados a sua frente, naquela ardilosa mesa de jantar.  Sabia do preço a pagar por sua escolha, mas aquilo de forma alguma reduzia a sua dor.

João nunca escreveu um livro. Galgou algum espaço no ramo editorial e levava uma vida confortável. Casou-se com Priscila e tinha também Sophia.  Já Alice, voltou para Paris.

Subiu as escadas correndo e apoiou as mãos sobre o balcão, diante do painel de desembarque. Olhos atentos e vagarosos. Um suspiro, um grito! A mulher achou exagero, mas Alice não estava nem aí para aquela senhora de olhos cansados. Os de menina, brilhavam. De choro e emoção.  Bernardo saiu do avião e Alice se sentiu em Paris, pela primeira vez em sua vida, inteira. 


Por: Henrique Biscardi