Achou mesmo que podia passar, aquela noite, a revelia da dor que consumia a sua alma. O jantar esfriava, repousado a mesa. Submersa em finos lençóis que protegiam o seu corpo nu dos brutos acolchoados que lhe detinham à cama, fixou seu olhar na rosa vermelha e solitária, que postada ao lado do prato, alimentava lembranças.
As horas badalavam em sinos gigantes, aumentando a sua angústia. O dia se foi. As cortinas não foram abertas, nem as luzes, acesas. Permanecia imóvel. Não fossem as lágrimas, que percorriam os suaves contornos de seu rosto macio e repousavam-se, salgadas, em seus doces lábios carnudos, diriam que estava morta. Não estava.
Após um breve suspiro, Malú adormeceu. O jantar e a rosa sentiram-se mais abandonados. Porém, enquando o café da manhã já lhes faziam companhia, a menina anda sucumbia à tristeza. Queria sentir João. Seu cheiro, ainda impregnado em recantos obscuros de sua boca, lhe deram coragem. A moça saiu a sua procura.
Naquele dia ensolarado, pessoas desfilavam seus T-shirts e brigavam por espaço entre os gramados cercados de Paris. Malú focava os amantes. Entrelaçados, deitados ou sentados de frente. Alguns pareciam estar na eminência de lhe oferecer ajuda. Apenas uma sensação. Sua procura era desconhecida daqueles olhares encantados. Eram seres apaixonados, curtindo uma linda manhã ensolarada de primavera, nos gramados de Paris.
A menina insistiu. Havia meses, não ligava para seu marido. Entrou e saiu da cabine algumas vezes. Discou, porém ao completar a ligação, desligou. Temia que do outro lado da linha a voz não fosse a de João – E se a solidão e o abandono fossem maior do que o seu caráter? E se encontrasse uma voz feminina, suave e feliz, a dizer-lhe “bom dia”? – Malú enfureceu-se como nos velhos tempos.
O fone ficou ali, pendurado. A menina abriu os braços e respirou o ar. Fitou o céu azul e se pôs a caminhar. Olhos azuis e pele rosada chamavam a atenção. Seu olhar libidinoso causava estranhamento em alguns que cruzavam o seu caminho. A maioria lhe sorria. Sentiam-se orgulhosos, crentes que eram únicos e belos. A sedução sempre foi sua fiel companheira.
Rumando ao norte, deparou-se com aquela ponte. Casais se bolinavam, ao longe, nos jardins. Outros, esfregavam-se ali mesmo, no parapeito. Malú imaginou-se tocada. Fechou os olhos e sentiu as mãos de João. Mordeu os lábios, cresceu os seios, ficou molhada. Só então, percebeu que não estava só. A maioria achou graça, mas compreendeu. Afinal, era dia dos namorados em Paris! Apenas Malú sentiu-se envergonhada. Menos pelo delírio, muito pelo que fizera a João.
Recostou-se na grade que percorria a Ponte das Artes. Estranhou aquele monte de cadeados afixados no local. Procurou e não encontrou número de bicicletas ou ciclistas que podiam lhes fazer sentido. Aproximou-se e soube por um senhor que não eram apenas cadeados – É o amor, menina. O amor eternizado. O elo, o religare. Não com um ser supremo. Mas com o seu coração – disse-lhe com leveza e sabedoria.
Malú emocionou-se e quis saber mais sobre a tal grade. Um casal, ela ainda com o seu vestido de noiva, lhe falou sobre os “cadeados do amor”. – São símbolos da união eterna. As almas se encontram, se amam e se comprometem. O símbolo da união fica aqui, exposto no gradeado. As chaves, são arremessadas no Rio Sena, que torna-se assim, o guardião, para todo o sempre, de nossos segredos, de nossos tesouros, de nosso amor.
O casal arremessou suas chaves sob o olhar inquietante de Malú. A tarde caminhava, ligeira. Já era quase noite. A menina havia tocado em cada um dos cadeados. Nomes gravados, mensagens contidas, amores do passado, presentes e esperançosos de um futuro. Um, em especial, lhe chamou a atenção. Seu coração acelerou. Suas vistas embaçaram. A voz, muda, desapareceu.
Reconheceu naquele artefato prateado a data de sua união. Viu também seu nome e o de João. Tonteou e segurou-se à grade. Sua cabeça girou por parques, gramados e vielas. Retornou ao parque. Caminhou, de uma ponta a outra da ponte. Passos acelerados, mãos suadas. Malú queria João ali, naquele momento. Queria vê-lo, tocá-lo, amá-lo.
Reconheceu naquele artefato prateado a data de sua união. Viu também seu nome e o de João. Tonteou e segurou-se à grade. Sua cabeça girou por parques, gramados e vielas. Retornou ao parque. Caminhou, de uma ponta a outra da ponte. Passos acelerados, mãos suadas. Malú queria João ali, naquele momento. Queria vê-lo, tocá-lo, amá-lo.
Tentou arrancar da grade, o cadeado. Desejava para si, aquele amor. Desejava abri-lo. Precisava entendê-lo. Talvez, conseguisse compreender a sua dor, a sua angústia. Pensou se seria possível reaver João. Contida por guardas, a moça se desesperou. A grade resistiu. Malú resistiu também. Diante de si, o mar, o rio, o Sena. Nele, as chaves.
À noite, diante da porta da Unidade Intensiva do Hospital Central de Paris, apenas a certeza:
– Não houve como conter a moça.
Por: Henrique Biscardi.