sexta-feira, 3 de junho de 2011

A PROCURA DE MALÚ

Ninguém soube bem ao certo se foi exigência de João. Entre terapia e separação –  dizem! – ela optou por decoração.  O curso foi intensivo, seis meses. Obteve algum sucesso imediato com as amigas da academia. Porém – também não se conhece a razão –  começou a ter dificuldades em conseguir empregados. A empresa naufragou em dívidas.

Argumentou novamente que tinha vergonha e que um bom terapeuta era muito caro. O marido a convenceu mostrando-lhe a quitação de suas dívidas, que nada tinham de decorativas.  Malú insistiu que não desejava expor sua vida a “qualquer um” e sugeriu entrevistar alguns terapeutas para se decidir. João lembrou-se da Lei Maria da Penha e preferiu deixar a água fria do chuveiro escorrer por suas têmporas.

Viu Marcos Pedrosa num programa de TV e o achou inteligente. Só descobriu que se tratava de terapia para animais quando tentou agendar uma consulta e a secretária lhe perguntou qual era a raça do paciente. A vida parecia-lhe muito difícil e achou melhor então, ir a um shopping. Faz compras, foi ao cabeleireiro e comeu alguns chocolates. Chegou em casa cantarolando e parecia pronta para novos desafios.

Uma estola branca de pele sintética, dispensada às costas do sofá da sala de estar, mudou o seu humor. Pela fresta da porta não pode ouvir o que conversavam. Sapatos de médios saltos, pernas longas e bem torneadas...Enfureceu-se. Imaginou que a lareira não fosse capaz de secar a blusa branca em cetim, nem mesmo a saia estampada em fios de lã que cobria as pernas daquela vagabunda até a altura do joelho. Pegou mesmo um pedaço de jornal e ateou fogo. O sistema de alarme contra incêndio acionado, casa inundada. Andréa achou estranho e há muito custo concordou com a entrevista. O que a fez desistir de tratar a esposa de João foi mesmo aquele incêndio.    

João preocupou-se com Malu que surgia chorando, inocente, no meio do jardim. Ela só não contava com as câmeras de segurança da casa. O rapaz teve que convencer os policiais a abafar o caso e registrá-lo como acidente. Desesperada, ela implorou para que ele ficasse. Porém, suas roupas já estavam no porta-malas de seu Corola prata, reformado, e João se foi.

No escritório, o rapaz respirava com dificuldades. Olhos inchados por lágrimas e noites sem dormir. A cinco quadras dali, Malú descia do ônibus já com alguma desenvoltura. Subia até o 10º andar do edifício Regência, onde Dr. Alcântara lhe recebia com seu velho cachimbo. Sim. Malú foi ao fundo do poço, mas não perdeu certos valores. Para ela, terapeuta bom, fuma cachimbo.

Interromperam a consulta 20 minutos mais cedo. Pneumonia, disseram ao telefone. Malú ficou desnorteada e desceu as escadas dos dez andares do prédio, de salto. Entrou no primeiro táxi e seguiu ao hospital. Esperou por três noites, até que João resistiu e saiu da unidade intensiva. Duas semanas depois, já estava em casa.  Malú não se sentia preparada para voltar. Cuidava dele, todos os dias. As noites, a moça passava na casa de sua mãe. Na terceira semana, sentiu seu homem mais forte, não resistiu e cedeu.

João estava feliz e Malú dizia, no consultório, que o casamento ainda a apavorava. Falou da moeda que passou ao marido no dia do “pedido”, da solidão e do vazio que sentia. Pensou em passar uns tempos em Londres e foi desaconselhada por seu terapeuta – a fuga não é o melhor caminho, meu anjo – disse o doutor.

O tempo passou e a moça começou a assustar seu marido de outra forma. Acordava cedo. Aproveitava as manhã com longas caminhadas. Depois, banho e terapia.  Nas tardes, aulas de Inglês e Francês. Quando a noite chegava, havia o jantar que Malú aprendeu a preparar. 

Isso não era bom, pressentia João. O rapaz testou.  Ofereceu-lhe sua infalível massagem nos pés, banhada a água morna. Percebeu que sua esposa cedeu ao mimo apenas por delicadeza. Mal pode terminar.  Malú recolheu o pé quando a toalha seca lhe tocou e João já encontrou a luz apaga quando do banheiro, saiu.

Madrugada a dentro, olhar fixo num ponto qualquer da parede, buscavam horizontes distintos. Seus corpos sentiam a falta, um do calor do outro. Havia o desejo na pele, porém uma dor imensa, no coração.

Numa sexta feira do mês de outubro, Malú encarou Dr. Alcântara de frente – Estou  indo para Paris – dizia. O médico se emocionou:

– Vá, pois já não é fuga, é descoberta.

João também não lhe segurou. No aeroporto, beijaram-se com paixão, como há muito tempo não faziam.

- Até breve, meu amor – disse ela.

- Até breve. 


Por: HENRIQUE BISCARDI

3 comentários:

  1. LOUCA...DESVAIRADA....SEMPRE....MALÚ!

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  2. rsrs
    Revelador. Na verdade o Dr Alcântara (chamando sua paciente de meu anjo) é o alter ego do Henrique Biscardi :)
    Brincadeiras à parte, muitas vezes para nos descobrirmos precisamos nos perder primeiro e como a Malú é bastante desequilibrada, é compreenssível todo o intenso processo.

    Esse João vai direto pro céu.

    Muito boa a narrativa, Biscardi. Parabéns!

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