terça-feira, 26 de abril de 2011

BEBEL, AMOR E POESIA

Em um domingo que parecia monótono, a moça não conseguia desvencilhar-se da cama. A muito custo, e já com o corpo cansado de descanso e descaso, sentiu-se atraída pela biblioteca. A biblioteca da primeira transa, inspiradora.

A camisola, curta e transparente, deixava à mostra a micro calcinha e as nádegas de bom tamanho, textura e formação que João, no entanto, ignorava. O vizinho, não. As janelas estavam sempre entreabertas e o rapaz com as mãos calejadas, segurava o binóculo como podia, evitando que lhe escapasse o enquadramento desejado.   

Isabela sabia. Escolhia um livro, colocava-o à mesa e se abria. Naquele dia, porém não foi um livro qualquer. Era um "Mário Quintana" que lhe surpreendia numa mensagem quase proposital: “A poesia não é inspiração pura. não é só ficar esperando que o santo baixe. É preciso puxar o santo pelos pés, e isso dá trabalho. Esse é o trabalho da poesia”.

A menina ficou pensativa e ergueu-se. Pensou que João não podia ser o santo – realmente não era. Olhou para trás e concordou que o rapaz tímido e com a mão melada que a observava também não era. Mas quem? Quem?

A moça esqueceu mesmo o santo e desceu Bebel. Saiu molhadinha da biblioteca e no batente da porta, mordeu os olhos, fechou os olhos e contorceu-se, chamando por João. Com o controle remoto da televisão a mão, o quadrúpede olhou sua mulher rapidamente, de rabo de olho, enquanto aproveitava a virada de lado para levantar as calças do pijama e dar aquela coçada básica na bunda.

O pior foi o sorriso babaca no canto da boca – eu hein! Isabel tem cada uma. Louca. Deve estar querendo alguma coisa. Nem venha, estou duro! E de mais a mais, não vê que estou vendo o jogo! 

Bebel lia pensamentos como ninguém. Pensou em descer para o meio da rua e, como um personagem de cinema, dar para o primeiro homem que aparecesse. Pensou no vizinho, mas aquele, coitado, àquela hora, pouco já tinha para oferecer. Queria alguém que lhe pegasse de jeito, e lhe quebrasse ao meio. Queria que o chifre, na cabeça de João, pudesse ser visto do começo ao fim da Av. Paulista.

A revolta aumentava: “Corinthians é o caralho!” – pensava Bebel.  E João permanecia prostrado, largado, barbudo, cabeludo e suado, naquele belo sofá, fedido e encardido, que há fora palco de grandes espetáculos. 

Bebel parou nua, à frente do televisor. As cortinas abertas, varanda escancarada.  Já  não havia apenas o magricelo da janela de frente, mas um Morumbi inteiro a lhe admirar. Mas João dormia. Boca aberta, ronco rasgando o nariz e baba escorrendo pelo canto da boca.

Isabel olhou para o lado, sentiu o fervor das arquibancadas e não se fez de rogada. Abaixou as calças do pijama de João, se pos de joelhos e partiu para o ataque. Surpreso, chocado e imóvel, o marido sucumbiu a intensidade dos lábios de sua esposa e lhe suspendeu pelas mãos até a sua boca. Viril e feroz, lhe beijou o pescoço, os seios e o  ventre. Pegou-a pelo colo e rumou à biblioteca. Bebel o conteve:

- Não! Quero aqui.

João a reclinou sobre o sofá e caminhou até a porta que dava à varanda. Bebel gritou e sussurrou em seguida:

- Não! Deixe. Quero tudo aberto.

Estarrecido com a mulher que tinha diante de si, o homem preferiu não quebrar o clima. Partiu decidido para cima de sua esposa e eles se amaram loucamente. João esqueceu-se do futebol e lembrou-se do homem que um dia foi, enquanto Bebel só pensava no Mário: “A poesia não é inspiração pura. Não é só ficar esperando que o santo baixe. É preciso puxar o santo pelos pés, e isso dá trabalho. Esse é o trabalho da poesia”. 

Por: Henrique Biscardi

7 comentários:

  1. Hahaha Gostei, Henrique! Putz, ia comentar sobre a tática... hahaha
    E as histórias estão se passando em sampa

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  2. Bem, diria que o que acabei de ler está mais inclinada à cronica que ao conto, será??? Sou péssima para definicoes literárias, rsrsrs mas o que sim sei é apreciar um belo texto quando o leio, e este, está mesclado com o erudito e o erótico, a vida e a comédia da vida, o banal e corriqueiro cotidiano, a Bebel, o Joao e o sábio Quintana entre a confusao dos anseios e desejos...
    Querido Henrique, parabéns pelo belíssimo texto! Já está em uma antologia? (Deveria...!!!!)
    Super beijo!

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  3. Muito bom Henrique!!Parabéns!!
    Um dos melhores que já li até o momento!!
    Sucesso sempre!!

    Beijo!!

    Fátima Fernandes

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  4. Muito bom Henrique!!!
    Um dos melhores que já li!!!
    Parabénss

    Sucesso sempre!!
    Beijo

    Fátima Fernandes

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  5. Muito bom!
    Parabéns!


    PS:Considero ser um conto, pela forma como você desenvolveu o texto.

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  6. Mas é claro que é um conto e por sinal excelente.Como sempre é daqueles de se ler direto, sem parar. E o João heim? Tinha que ser João e Corinthiano.kkkkkkk

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