domingo, 12 de dezembro de 2010

Chupa essa manga, Eduardo!

Atravessou a avenida, faceira, curtindo as buzinas em sinfonia. Foi-se embora e nem foi xingada. Uma linda medusa. Madeixas de mel, bumbum arrebitado, seios pontiagudos e um vestidinho estampado em vermelho. Do outro lado da rua, seu Said. O típico. Calça social e chinelas. Suspensório e camisa social. Na cabeça, oficialmente, apenas uma boina francesa.

Eduardo, na sombra de uma árvore. Boca melada de manga, lábios molhados de desejo. Era um pecador confesso, daqueles rejeitados até no inferno.  Kichute, cadarço amarrado no meio das canelas. Mais brancas encardidas, com marcas de bola. Calça "pescando siri" e camisa aberta até o umbigo. Seus olhos de luxúria não foram notados por aquele pobre homem que o atendia com toda educação em seu armazém.

Bateu o ponto ali, todos os dias, durante cinco longos anos. Cresceu vendo aquelas coxas se transformarem em duas toras. A academia era nova, mas o hábito recente. A sala de musculação ficava lotada, às segundas, quartas e sexta, entre 8h15 e 9h30 da manhã. Foi nesse lugar o menino virou homem ,e sentiu-se encorajado. 

Mas Betina não lhe deu muita atenção e uma tragédia logo  tirou a moça de seu caminho pela primeira vez. Seu Said a esperava, como de costume, do outro lado da avenida. Antes que o destino lhe roubasse a vida, o pobre libanês antecipou-se. Pulou na frente de um caminhão, cuja cabine, de tão alta, permitiu que o motorista visse apenas o rosto da moça. O pobre homem, esfacelado no chão, ainda conseguiu sorrir para a sua amada, incrédula, viva por fora e morta por dentro.

Betina mudou-se e Eduardo, desgostoso, foi para o exército. Fez curso para sargento das armas e perambulou por várias cidades do país. Disseram que até no exterior ele esteve. Quando retornou, seus pais e a vizinhança por quem tinha algum apreço, já haviam se mudado. Sem muitas opções, Eduardo também se foi e acabou como guarda-vidas em uma mansão, em Angra dos Reis.  

Foi quando numa bela e quente manhã de domingo, sua sorte mudou. Deitado ali, a sua frente, Betina ressurgiu. Linda, malhada e turbinada.  Eduardo, descontrolou-se e quando deu por si já havia molhado metade das pessoas que pegavam sol à beira da piscina. Como era bem quisto pela família,  preferiram não chamar-lhe a atençao. Betina, não:

- O que é isto, rapaz? Preste atenção no seu serviço!

Por alguns instantes, ficou na dúvida se aquela pessoa, diante de seus olhos, fosse mesmo Betina. Mas logo a moça deitou-se na espreguiçadeira e a tatuagem na altura da virilha afastou qualquer possibilidade de erro:

- Amor! Vamos! Tenho um compromisso social e preciso de você ao meu lado - disse alguém, com aquele ar de "maridão".  

Betina levantou-se suavemente e enrolou-se na canga.  Eduardo chegou a ouvi-la murmurar algo e lhe ofereceu um afetuoso sorriso, o suficiente para irritá-la novamente:

- Por que você sorri? Quer que eu lhe faça chorar? Quer que eu lhe faça sofrer? Cruze seu olhar novamente com os meus e você verá o que será de ti - disse a moça num tom ameaçador. 

O clima pesou. Eduardo nada entendeu. Menos ainda, quando seu patrão o chamou, meio da madrugada, deu-me algum dinheiro e lhe ordenou que "sumisse do mapa".

Eduardo viajou, uma vez mais, sem rumo. Por sorte, encontrou  um amigo de infância num navio e este o instalou em Miami. Um dia, porém, andando pela Times Square, já em Nova York, deparou-se novamente com Betina. Olhou em sua volta e ao perceber que a moça estava desacompanhada, a surpreendeu:

- Então,  o que lhe  fiz para querer o meu fim?
- Desculpe. Não estou entendendo. Quem é você?
- Ora! Não se faça de desentendida, Betina. Este é seu nome, certo?
- Sim. Mas.., como sabe?
- Cadê o maridão, hein? Cadê? Ele vai me matar, vai? Vai me matar?
- Ele não pode. Ele morreu. Faz uns 8 anos, tadinho. Morreu atropelado para me salvar.
- Sei. E depois que ele morreu, hã? Pensa que não lhe reconheci naquela mansão em Angra? Por que  me queria longe de lá, hein? Por que?  
- Não era eu! Você deve ter tido a infelicidade de conhecer minha irmã. A cléo. Nós somos gêmeas!
- Gêmeas? Que papo é esse?

Betina baixou a cabeça, levou as mãos ao rosto e chorou, copiosamente. Logo, perdeu as forças e apoiou-se em Eduardo. Ele a levou para seu apartamento onde puderam, finalmente, esclarecer o acontecido:

- Depois que meu marido morreu, minha irmã gêmea juntou-se a seu namorado, um estudante de direito. Os dois me roubaram - colocou-se em pranto, novamente, a moça - e não satisfeita, mandou alguém para me matar. Tive muita Sorte. Dona Ziza, amiga de sua mãe também, lembra-se? Pois bem,  foi ela quem me escondeu por alguns dias. Depois, deu-me algum dinheiro e fugi para cá.

O rapaz olhou incrédulo para aquele rosto lindo e angelical . Betina, aquele mulherão, aconchegada em seus braços. Maravilhosamente, aconchegada. Chegou a pensar em como um mesmo casal pode gerar, num mesmo ventre, ao mesmo tempo, pessoas tão antagônicas. Vã filosofia que se perdeu logo em seus pensamentos, enquanto se fartava naqueles seios firmes. Finalmente, eduardo a amou. Depois, adormeceram juntos,  naquela e em outras noites frias. Num domingo, porém, Eduardo amanheceu estranhamente algemado na cama, com a boca suja de manga e a casa cercada por sgentes do serviço secreto americano, o FBI. Já Betina, embarcava num vôo qualquer, rumo à Madri, com o corpo recheado de explosivos e a esperança, encorajada por seus cúmplices do Brasil, de reencontrar Said.  


Por: Henrique Bicardi

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