sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

O SEGREDO DE PEDRO

Acordou sem pressa e com pouca disposição para mover-se. As mãos caminharam, sozinhas, até o controle remoto da televisão, mas nada de interessante passava. Ouviu os primeiros barulhos que vinham do andar térreo.  Nenhuma mensagem direcionado a ele. Mesmo assim, reuniu todas as forças e, a muito custo, conseguiu colocar as cobertas de lado. Esboçou levantar-se, mas uma letargia e falta de ânimo, lhe jogaram de volta à lona.  Só mais meia hora – pensou.

Um barulho na janela despertou-lhe de vez. Pela janela, viu Bob e Bryan começarem uma guerra com bolas de neve. Eles o desafiaram a descer. Não foi o tamanho, porém, que deteve aquele menino, o menor da turma, no quarto. Pedro detestava o frio; e mais ainda, seus primos, aos quais respondeu levantando lentamente, e com cara de mau, o dedo médio.

Desceu as escadas coçando a lateral da bunda, com cara de sono, trajando pijama flanelado e meias. Seu avô achou a cena engraçada. Sua mãe, não:

- hei! que modos são esses? Sobe, sobe, sobe. Lave esse rosto, escove os dentes, tire esse pijama e só me apareça aqui embaixo com este cabelo penteado!

Pedro era um menino introspectivo, não gostava de muita badalação. Era mais de curtir seus heróis e criando histórias com os bonecos dados por seu avô. Embora tivesse apenas cinco anos, tinha para mais de 30 daqueles personagens, saídos das histórias infantis. Não era seu primeiro Natal com a casa cheia, mas nunca havia passado a data fora de seu país.  Era também um tempo de descobertas, em que já começava a compreender mais as coisas do mundo.

Foi nesse período que, ainda na escolinha, ouviu os primeiros rumores sobre a verdadeira identidade de Papai Noel. Mas como era próprio de sua personalidade, ficou de longe, ouvindo e racionalizando a respeito.  Não concordou, não discordou, não questionou. Pelo menos, aos seus colegas:

- Vô, por quê essa gente toda? Queria estar em casa com meus brinquedos.
- Ah! Meu neto. Você não queria estar aqui com o seu avô?
- Queria vovô!... Mas lá em casa.

Pedro gostou do abraço e do beijo que ganhou do avô, mas não o obedeceu quando este lhe sugeriu que colocasse o casaco e fosse até lá fora brincar com seus primos. Preferiu a cozinha:

- Sai daqui menino! Tira essa luva das rabanadas! Essas luvas estão sujas! Vá brincar, vai! –  disse sua avó, o expulsando.

Sem ter muito para onde ir, foi encontrar sua irmã que, no sótão, arrumava, com uma tia, os últimos enfeites de Natal:

- Venha cá, pequeno, o que você quer? Dá um beijo gostoso aqui na mana, vai. Que carinha é essa? – disse envolvendo-o como se ele fosse um bebê.

  - Táta...se o papai não veio com a gente, quem vai trazer o meu presente? Ele vai chegar ainda?
- Oh! Meu bêbe. Vai sim. Papai já ta chegando. Mas que história é essa? Quem vai trazer seu presente é o bom velhinho, o papai Noel. A mana não ajudou você a escrever sua cartinha?

Pedro olhou com os olhos um pouco arregalados para Tatiana e nada falou. Preferiu guardar para si “o segredo”. Quando chegou à porta do quarto, ainda pensou em retornar e lhe contar a verdade, mas sua irmã estava tão feliz que preferiu nada falar. Quando descia as escadas, deparou-se novamente com o seu avô:

- Está indo para onde, hein, seu moleque – indagou Sr. Alfredo, fechando-o a passagem de um lado e de outro, fazendo-lhe cócegas, até lhe pegar pela barriga e levantar-lhe até seu colo – está pesado, hein! Quer ajudar o seu avô a engraxar os sapatos?

Era tudo o que Pedro queria: ter o que fazer. Sempre atencioso e carinhoso, seu avô também lhe pareceu, naquele momento, a companhia ideal, com quem ele pudesse ter uma conversa definitiva, franca, de homem para homem, sobre aquele assunto que estava lhe proporcionando algum desconforto:

- Vovô!
- Diga, meu neto.
- A Táta não sabe quem é o Papai Noel!
- Não! Jura? E você sabe? – Pedro fez com a cabeça que sim – e, você pode contar para o Vôvo. Eu juro que guardo segredo.
- Não conta para Táta? 
- Claro que não! Juro! – disse, fazendo um “X” com os dedos e os beijando.
- Vovô...é o papai!!! – disse numa felicidade imensurável.
- xiiiii! Fala baixo – disse Sr. Alfredo, enquanto Pedro tampava a boca com suas mãos pequenas, sem tirar o sorriso, por aquela grande descoberta, do rosto.
 - Mas é? Seu pai é o papai Noel? Tem certeza?

E o garoto permanecia ali, vibrante, com aquele sorriso cativante no rosto, feliz da vida. Tanta alegria, tanta satisfação em saber que seu pai era Papai Noel, deixou Sr. Alfredo sem saber o que falar. Antes que ele pensasse em alguma coisa, porém, Pedro lhe surpreendeu novamente:

- Vovô!
- Hein. Diga, meu neto.
- O senhor também já foi Papai Noel?

Após um breve silêncio, o patriarca da família foi salvo pela chagada de seu filho, Ari, pai de Pedro. Mas antes de sair, sem querer deixar seu neto sem resposta, o avô olhou para seu neto e colocou o dedo indicador cruzado nos lábios. O menino sorriu, fez o mesmo e ambos desceram as escadas até a sala de estar.

A tarde caiu e a noite logo chegou. A mesa estava posta e os adultos conversavam. Bob e Bryan, sentados ao chão, divertiam-se com um trem que se deslocava em círculos. Pedro os observava, encostado ao sofá. Próximo à meia-noite, ouviu-se um grande estrondo na parte superior da casa e todos se engalfinharam pelas escadas. Queriam ser os primeiros a ver Papai Noel.

Pedro não saiu do lugar. Observava, ao longe, seu pai e seu tio conversando longamente à beira de uma lareira, numa outra sala em anexo. Olhou também para o relógio e viu que ainda faltavam quinze minutos. Abriu um discreto sorriso, quando um a um desceram as escadas, decepcionados. Mas quando, após um breve descuido, perdeu Sr. Ari de vista, desesperou-se. Percorreu todos os cômodos da casa. A cada pessoa que perguntava, a mesma resposta – estava aqui agora, já viu na cozinha.

Passados alguns minutos, cada mãe pegou seu filho pelas mãos e os colocou para dormir. Foram preciso uns três para segurar Pedro.  O menino estava determinado e quando percebeu que não tinha como resolver na força, deitou-se, aparentemente, resignado. Quando, do lado de fora, as luzes se apagaram, arrostou-se pelo chão até o sótão. No local, havia um velho baú que guardava, entre outras bugigangas, um velho binóculo, de seu avô. Uma veneziana, semi-aberta, foi o suficiente para que ele visualiza-se as chaminés.  

O cansaço e a longa esperam derrubaram Pedro. Os olhos ainda resistiam, ora viçosos ora desnorteados. Porém, um estalo e uma nuvem de fumaça branca o despertaram.  Luzes coloridas iluminaram as lentes de seu binóculo. Ouviu um barulho de helicóptero e uma corda brilhosa, em vermelho e verde, despencou por entre a névoa esbranquiçada. De repente, a visão: Papai Noel. Com todo o cuidado, o bom velhinho bateu à janela e entregou ao Sr. Ari e seu cunhado um grande saco grande.

Pedro afastou os binóculos cuidadosamente. Enxugou as lágrimas dos olhos e os levou de encontro novamente às lentes. Não havia dúvidas. Era mesmo seu pai que, embrulho por embrulho, recebia das mãos de Papai Noel, cada item de cada carta escrita e enviada. Aos poucos, a decepção pela descoberta de que o bom velhinho não era seu pai foi sendo substituído por uma outra alegria – Papai Noel não é meu pai, mas Ele existe – voltou a sorrir o menino.

Correu, então, novamente para a veneziana e com o binóculo em punho colocou-se em posição para dar uma última olhada em Papai Noel. Para sua felicidade, o bom velhinho ainda se preparava para partir; e antes que sumisse por completo na nuvem de fumaça,  olhou firme na direção de Pedro, colocou os dedos nos lábios, em forma de X, piscou os olhos e só depois, se foi.

Pedro voltou para o seu quarto, caminhando lentamente, mas sem a preocupação anterior em ser pego ou descoberto. Entrou no quarto, ainda em estado de choque. Deitou-se, cobriu-se.  Ficou, por alguns minutos, parado, estático, olhando para o nada. Depois, sorriu, olhou para o seu boneco do Toy Story  e lhe confidenciou.

– Não é o papai, Wood. É o vovô – risos.

E Pedro dormiu radiante, em seu Natal inesquecível.


Por: Henrique Biscardi

2 comentários:

  1. Lindo, Henrique!!!

    Um presente.
    E essas histórias de Natal nos fazem ver que sempre vale a pena acreditar, sonhar.
    Adorei o Pedro, sua esperteza e ao mesmo tempo inocência.
    Adorei! Feliz Natal!

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  2. eu tb tinha 5 anos qdo descobri que papai noel nao existia... que decepçao ! e foi meu irmao que pra mostrar o poder de ter a informaçao me contou...nao lembro se racionalizei. Mto bonito seu conto Henrique

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