terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

O MAR DO MEDITERRÂNEO

O mar do Mediterrâneo sempre a fez suspirar. Quando pequena percorria as escadas por entre os muros baixos e esbranquiçados. Queria conhecer o mundo que tinha por trás dele, se jogar nas águas brandas e cristalinas que brilhavam mais do que o céu azul. Ainda menina conheceu o amor. Ele, homem, não pode lhe querer e partiu. Liana inquietou-se, virou mulher. 

Apenas uma transparência cobria o seu corpo adormecido. Copo nas mãos, whisky derramado ao chão, enquanto um sujeito qualquer se vestia. E tantos outros vieram e se foram. E tantos outros ela quis, de olhos fechados, com os olhos abertos, amar. Aceitava-os em seu colo, abria-lhes o seu campo, curvava o seu dorso, e suplicava: Invade! Me toma! Nenhum foi capaz de aplacar a sua ira, de acalmar os seus espíritos.

Ela queria João. Mãos firmes e pesadas. lábios libidinosos, olhar tristonho e sorriso maroto, safado, nefasto. O começo, o meio e seu fim. Fazia 47 meses, 14 horas e dois minutos. Os segundos, ela não contou, viveu. Viveu e esperou. Esperto era aquele que não se aproximava. Mais uma vítima, Arnaldo.  Foi o último a sair e nem bateu a porta.

Nesse meio tempo, mudou de endereço cinco vezes. Quatro delas, nos últimos meses. Quanto mais João demorava, mais ela se mudava. No início, era por prazer. Depois, rotina. Hoje, negócio e solidão. A cada mudança, uma parada repentina. Mas logo Ele lhe faltava e os outros, desapareciam.

Conheceu Ricardo no verão passado. Entre tantas histórias, ele preferiu a dela. A livraria era um espaço pequeno e sua procura era imensa. O rapaz ficou fascinado e sua entrega o conquistou. Um café, um almoço, um jantar e suas manhãs ficaram mais ensolaradas. Passeios, viagens, igreja, um filho. Sua vida voltou a ter um sentido.

Um dia, seu coração estava tão feliz que acordou João. Do alto da sacada ela via o mar do Mediterrâneo e aquela brisa a fez suspirar. Seu passado ali, sorrateiro, a fez desejar. Soltou e balançou levemente os cabelos castanhos, longos e ondulados. Lápis preto nos olhos. Nos lábios, batom cereja e brilho. Um chapéu em palha, bege, fez sombra em seu rosto. Saída de praia e sandália rasteira. Seios firmes e pontiagudos ficaram à mostra. Liana padeceu em seus desejos.

Enquanto descia as escadas, os olhares subiam. Bebida ardida, pele macia, sorrisos fartos, olhos girando. Um marinheiro mostrou-lhe o mar, as águas cristalinas e a montanha. Um senhor a convidou para jantar e um rapaz mostrou-lhe a noite. Deitou-se com todos eles. Ricardo desesperou-se e  a procurou por toda a antiga Constantinopla. Desistiu após cinco longos anos e a deu como morta.

No porto de Cádiz suas pernas tremeram e  João a reconheceu. Sob a Torre Tavira amaram-se e seus gemidos ecoaram por toda La Viña. Mas ele estava casado e a Baronesa não os perdoou.  Desceram ladeiras intermináveis, córregos, trilhas e estradas. Conheceram porões de navios, desertos, fendas em pedras e mares. Em Gibraltar, seus destinos foram traçados. João foi jogado às pedras de Tarique e Liana  foi feita escrava em Taif.   

Laços poéticos emolduravam o seu corpo num misto de fascínio e dor. Abraços e braçadas sem rumo na imensidão do mar. O rapaz lhe tirou de lá, sem nada lhe perguntar. Deu-lhe abrigo, um céu, um lar e Liana adormeceu por seis longos anos.

Quando Igor nasceu ela resolveu partir para o seu desforço. Num castelo em Milão, um projétil, sensível e luminoso invadiu o salão e a música parou. Um silêncio ensurdecedor encontrou um rosto virando e encarando a própria morte.

Os últimos raios de luz da vitima foram na direção de sua algoz e depois na de João. Liana o reconheceu envelhecido, desfigurado. Seus lábios já não lhe causavam furor. Suas mãos não lhe seguraram firme e ela escapou. Seus olhos eram tristeza e ele nem sorriu. João morreu nas pedras de Tarique, pensou Liana.

Ricardo ficou feliz ao revê-la, mas Pedro já tinha outra mãe. Liana o abençoou de longe e voltou para o mar de Taif, onde ela havia encontrado a dor e a felicidade. Felício e Igor lhe abraçaram e, como antes, nada lhe perguntaram. Liana encontrou-se novamente feliz. Do alto da sacada ela via o mar do Mediterrâneo e a brisa lhe fazia suspirar.

                                                                          
Por: Henrique Biscardi

3 comentários:

  1. Viu a vida passar...rs esperando o João.

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  2. Que belo e sensível, Henrique. O Mediterrâneo faz suspirar. Bjs

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  3. Tantas idas e vindas e sempre no mesmo lugar. Liana, tão difícil de amar.

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