quinta-feira, 14 de julho de 2011

OS CAMINHOS DE MALÚ

Uma vez mais, deixou sua cabeça repousar nos pêlos do peito de seu amado. Sentiu aquelas mãos fortes e macias percorrerem seus longos cabelos negros. Dedos, rapidamente, chegaram à sua nuca, puxando-a, com força, pelos cabelos. Sua cabeça pendeu, graciosamente, para trás. A moça arrefeceu o brilho dos olhos, fazendo-os desaparecer por entre suas pálpebras, cerradas de prazer. Segurou firme aquele braço forte e musculoso, chamando-o para ao entorno de seu corpo. Mordeu levemente seus lábios molhados.

À beira da cama, João ficou sem saber o que fazer. Não esperava encontrar sua mulher daquele jeito. Seu corpo formava com o colchão, um arco, apoiado numa ponta pela nuca e noutra pelos calcanhares. Rosto ruborizado, com  as narinas totalmente abertas. Os seios estavam duros e pontiagudos. Os braços se esticavam para trás. Cabeça esfregando-se levemente no antebraço, como gata no cio. O dorso ergueu-se ao limite. Seus músculos contraíram-se ao limite. De sua boca, pode-se ouvir um leve gemido, enquanto seu corpo, exausto, desfalecia na cama. 

Ao recobrar os sentidos, desfigurada, Malú percebeu a presença de João e demorou-se a abrir os olhos. Sentia-se fraca para falar sobre o que devia ser dito. Tinha consciência de sua loucura. Bem pior, no entanto, seria não reconhecê-la. Sabia que não havia amor maior do que o daquele homem. Precisava, porém, conhecer os seus próprios limites. É preciso coragem para se abrir mão de um grande amor, de alguém que lhe faça tão bem. Malú compreendia bem a sua angústia, a sua dor.

O rapaz tentou amenizar a situação. Porém, relutou em abraçar o corpo suado de sua amada. Temia reconhecer o cheiro que exalava de seu corpo, ainda em brasa. Buscou refúgio num resto de jornal , caído ao lado de uma cadeira. Cruzou as pernas e levou a mão ao queixo. A moça reconheceu aquela expressão e pensou em chamá-lo para junto de si. Quis tanto que ele ficasse bem que seus lábios emudeceram. A noite caiu, João foi embora e Malú voltou a sonhar.

Numa manhã ensolarada de Paris, João acordou e encontrou Malú com as malas prontas. Ela foi em sua direção e lhe deu um grande abraço:

– Obrigado por tudo. Agora, já sei por onde ir. Entenderei se não esperar por mim. Mas, um dia, eu volto. 

João abaixou a cabeça de Malú e  deu-lhe um beijo na testa:

– Feche a porta ao sair, por favor – disse-lhe enquanto se dirigia ao banheiro, arrastando o seu velho roupão.

Malú então surpreendeu-se com João e sorriu. Pelas ruas de Paris, até o aeroporto, sentiu que podia partir para a vida, sem culpas. Fechou os olhos, respirou fundo e deixou-se contaminar pela deliciosa sensação de liberdade. Verdadeiramente, no lugar mais profundo de sua alma, sabia que não se tratava de libertar-se de João. Não era ele quem a aprisionava. Desejava libertar-se de suas amarras interiores, de seus medos, traumas, acalmar-se de suas inquietações. Fez planos e desejou, de verdade, dar a João a Malú que ele merecia, a mulher que ela desejava ser.  Um caminho que ela precisava percorrer, sozinha.

 Por Henrique Biscardi

4 comentários:

  1. Henrique,
    Gostei muito desta consciência da personagem, buscar seu caminho sozinha,e quantas pessoas precisam disso né?
    Sem culpas.... Fechou os olhos, respirou fundo e deixou-se contaminar pela deliciosa sensação de liberdade. Verdadeiramente, no lugar mais profundo de sua alma, sabia que não se tratava de libertar-se de João.Um caminho que ela precisava percorrer, sozinha.
    Fantástico!!
    Espero poder ler o próximo....Mesmo de longe!
    Parabéns

    ResponderExcluir
  2. Henrique, muito bom. Parabéns. Tem alma, sabor e adeus a um grande amor.
    Sucesso

    ResponderExcluir
  3. Até quando Malú vai viver de despedidas?

    ResponderExcluir
  4. Pelo menos ela não morreu!...rsrs...

    ResponderExcluir