terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A VOLTA DE MALÚ

Um frio cortante lhe impedia de abrir os olhos. As lentes dos óculos, embaçadas pelas lágrimas que pareciam intermitentes, despojaram-se, aliviadas, sobre seus longos cabelos ruivos. Malú tentou respirar fundo, mas o ar rarefeito lhe deu alguma tontura e a menina jogou-se ao longo da montanha.

Fincava a cana no gelo com a intensidade de outras Eras. Sentiu-se pulsar. A idéia de jogar-se, a entrega, aquela sensação de liberdade lhe devolvia o sentido da vida, num momento tão impar, em que qualquer descuido poderia significar a morte. A moça pensou nisso tudo durante a descida, por cada árvore que parecia vir em sua direção. 

Tentou, sem sucesso, esparramar-se na neve por três vezes. Queria, mas não queria. Era uma vontade inexplicável de sentir cada osso de seu corpo se partindo ao tempo em que o medo da morte lhe devolvia o equilíbrio. Quase deu-se por vencida.

Ao longe, avistou um rapaz que descia suavemente a montanha, muito lentamente, quase parando. Triste, solitário, procurando, talvez, por ela – pensou Malú. Precipitou-se ao seu encontro. O choque arremessou o rapaz a alguns metros de distancia.  


Sem tempo a perder, a moça, então, subiu em suas costelas, doloridas pelo tombo. Voraz, arrancou dele, os óculos, a mascara de algodão que protegia seu  rosto e lhe torpedeou com um molhado e demorado beijo. A moça lhe prendia os braços e sem poder respirar, o rapaz encontrava-se quase desfalecido.  Algumas pessoas, porém, presenciaram o acidente e vieram salvar o rapaz. A muito custo, puxaram Malú para um outro ponto da montanha, enquanto alguns paramédicos prestavam os primeiros socorros ao moço. 

Houve tempo para que Malú recuperasse o fôlego. A menina aguardou colocarem o rapaz na maca e com os lábios sedentos voltou a atacá-lo. Contida novamente, só então percebeu, ao distanciar-se: Aquele não era João.

 Malú pensou na ironia de toda aquela maciez branca que lhe envolvia o corpo e no céu azul que, a sua frente, lhe fazia sentir as vistas. Foi levada ao seu quarto e por lá permaneceu o resto do dia, entre um gole de vinho e várias lembranças. Na manhã seguinte pegou o primeiro vôo com destino a São Paulo.

Encontrou a cidade barulhenta e nublada, como de sempre. Uma chuva fina lhe trouxe um leve sorriso. O porteiro não lhe estranhou e ofereceu-se para carregar sua mala até o apartamento 803. O moça entrou, despiu-se e afundou no colchão macio.

Por volta das 19 horas, João entrou em seu apartamento e sorriu. Foi até o banheiro e barbeou-se. Tomou um longo banho. Enxugou-se, caminhou até sua cama e encaixou seu corpo no de Malú. A moça sentiu sua presença e virou a cabeça com um olhar interrogativo. O rapaz colocou as mãos em seus cabelos e os acariciou. Malú ajeitou mais ainda o seu corpo no de João. A moça estava cansada e desfaleceu, amparada pelas mãos mágicas de João que já naquele momento lhe acariciava os seios.

No dia seguinte João deu uma última olhada para o seu apartamento. Sabia que, com Malú de volta, a noite, ao retornar do trabalho, tudo estaria diferente...como sempre esteve.

Por ; Henrique Biscardi

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