quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Os amores de Rebeca.

Rebeca entrou nervosíssima e bateu a porta. Jogou-se no colchão macio que tanto amava, mas que hoje não lhe trazia boas recordações. Pensou em esfaquiá-lo, entretanto, não tinha forças nem disposição. Desfaleceu. 

Despertou, já era noite. Um banho quente para esfriar a cabeça. Chorou por alguns segundos, copiosamente. Pensou na maquiagem. Depois lembrou-se que estava embaixo do chuveiro.


- Seu FDP, não é homem, não! Por telefone? Seu covarde! COVARDE!!!


O atendente da farmácia, do outro lado da linha, nada entendeu. Olhou fixamente, por alguns segundos, para o identificador de chamadas e pensou em retornar. Melhor não - pensou. Melhor mesmo. Rebeca não estava num bom dia. Aliás, não me recordo de um dia dela que valesse a pena nas últimas semanas.  Chata, sem graça e mal humorada. Preferia vê-la de TPM. 


Encontrei-a com os olhos inchados e raivosos. Chegou atrasada. Não cogitei reclamar. Primeiro porque isto é frequente. Depois, não queria que sobrasse algo para mim. Conversamos por horas com os mosquitos. Cada um com o seu. Acabei com os palitos, da minha mesa, da mesa à esquerda e aqueles da direita também. Enrolava os papéizinhos que os embalavam, primeiro em forma de tirinhas, depois ,fazia bolinhas pequenas que caiam dentro do copo de chopp, sempre vazio.  


Só pelas duas da manhã, as primeiras palavras:


- Você é meu amigo?

- Rebeca. Hoje, ninguém lhe parece amigável. O mundo está contra você e eu não quero ficar contra o mundo.


Sabia o que ela queria e não desejava alimentar aquela neura. Deixei ela pensar mais um pouco, refletir. Conhecendo-a como eu realmente conhecia, era inevitável que ela insistiria. Minha missão tornava-se mais árdua a cada segundo. A manhã aproximava-se e o momento derradeiro era iminente.


Rebeca levantou-se subitamente. Procurou, chamou e entrou no primeiro táxi. Paguei a conta e fui atrás. Não. Não disse aquela famosa frase “siga aquele táxi”, pois o mesmo já devia estar alguns quilômetros a frente. Não havia motivos também para apressar-me. Tínhamos tempo.


Ao chegar ao aeroporto, caminhei vagarosamente até ela. Sabia que ela sentia e minha presença e que ali estaria. Segurou a minha mão, levou-a até sua boca e a beijou. Estava com os olhos marejados. Chorei também:


- Vamos embora.

- Você sabe que eu não vou. Eu quero ver. Quero ver! Quero ver para crer.

- Por que? O que importa?

- Importa – disse, apertando calorosamente minhas mãos.

Bruno caminhou calmamente até nós. Olhou com os olhos tristes como que pedisse a minha compreensão e eu o compreendia. Rebeca, não. Ficou de frente para ele, cruzou os braços e o fuzilou com seus grandes olhos amendoados. Não houve palavras. Olhos nos olhos por infinitos segundos e nenhuma sílaba saiu da boca de ambos. Não tive coragem também para cortar o silêncio. Era constrangedor. Como alguém tinha que fazer algo, o alto-falante anunciou. Era chegado o momento.


Os corações ficaram sobressaltados. Rebeca colocou a mão tampando a boca ainda fechada. Olhou fixamente para o rosto de seu ex-namorado e, incrédula, chorou.  Bruno manteve a cabeça baixa, mas pude ver que também chorava. Não havia mais tempo. Chegara o momento do ato final. Criei coragem e tomei a iniciativa. Coloquei a mão em seu ombro e ele passou-me a mala. Dei um forte abraço em Rebeca e desejei-lhe de todo o coração, ainda que em pensamento, toda a sorte do mundo.


Imagino o quanto e por quanto tempo Rebeca deve ter nos odiado. De uma hora para a outra, as duas pessoas que ela imaginava amá-la loucamente, na verdade “se amavam entre si”. Mas ela era é uma mulher incrível. É preciso ser grande para perdoar e ela nos perdoou.  


Nada acontece por acaso. Foram momentos difíceis, mas fundamentais para o nosso amadurecimento e para a construirmos a felicidade de que gozamos hoje. Não foi apenas Bruno que descobriu que me amava e eu a ele. Rebeca também descobriu que além de amar Bruno, também me amava. E nós, ao ficarmos longe dela também descobrimos que além de amarmos um ao outro também a amávamos. Só assim, pudemos viver os três, juntos e felizes, para sempre.    

Henrique Biscardi















Um comentário:

  1. Henrique, só li esse hoje. Muito bom, desfecho surpreendente.
    Estou começando a capitar uma coisa em comum entre seus contos e cônicas. Coisa bem bacana. Um dia te conto :)

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