sexta-feira, 5 de novembro de 2010

COMO SE NÃO HOUVESSE AMANHÃ

Tenho uma recente e profunda admiração por Paula Cajaty, a quem fui apresentado, ciberneticamente, por Mauro Siqueira. Pois não é que numa quinta-feira, já de madrugada, vejo uma mensagem desta moça indicando-me uma recente resenha publicada em seu blog sobre “Como se não houvesse amanhã”, livro organizado por Henrique Rodrigues contendo 20 contos inspirados na obra de Renato Russo.

Porra!!! Que sacanagem – pensei. Agora que eu já me preparava para dormir. Como é que eu posso desligar o computador sem ler a resenha da Paula e refletir sobre ela? Mais adiante, no entanto, percebo que não houve “maldade”. Paula assume que não viveu Renato Russo “em todo o seu esplendor”. Não curtiu as festas juninas da Vidal – rua Virgínia Vidal, abolição, subúrbio do Rio – nem foi ao Rock In Rio I. Paula não sabe o efeito desvelador que sua obra provocou em minha geração.

Então, o que dizer para àqueles que não viveram a efervescência de Renato Russo? Sim, porque Renato Russo era efervescente. Era como aquele velho sonrisal  distraído que caminhava a beira-mar e se dissolvia como piada velha – tipo àquela do skinny, o biscoito suicida ou da formiga de aparelhos no canto da sala. Era sua música chegar aos nossos ouvidos e havia uma osmose centrífuga e imediata. Levantava os pelos do corpo e a poeira da alma. Crianças pensando como gente grande e adultos, feito crianças. Afinal, “o que você vai ser, quando você crescer?”.

Não! Eu não dei meu primeiro beijo na boca ouvindo Eduardo e Mônica. Estava, provavelmente, chapado de vodca ou de sono, em frente ao meu 3 em 1 da National, aquele com tampa inteira, preta, de acrílico.  Mas ouvi apaixonadamente muitas e muitas vezes seus discos. Claro! Tenho o meu predileto: Quatro estações! E como a grande maioria das pessoas sã de minha geração, sou fã do Legião.

Mas, apesar de toda a idolatria, não pensem que foi unânime! até porque, já dizia Nélson Rodrigues, toda  unanimidade é burra. Cazuza lhe dizia, imagino, “quase sem querer”, que o chamavam de “ladrão, bicha e maconheiro”. Triste sina dos ídolos da geração coca-cola, que não morreram de overdose, mas de Aids.

Mas Renato Russo ultrapassava esteriótipos. Diziam até que ele era desafinado. Mas, ao contrário de Tom Jobim, isto não lhe causava dor. O que lhe causava dor era a falta de amor. E nisso, Renato Russo foi visceral, expondo todas as contradições, suas e de seu tempo.


 Talvez, para quem não viveu o amor ou não nasceu “há tempos”, Renato Russo permaneça indecifrável. Há nele, coisas que só entendem quem mastigou chicletes, Adans ou Ploc, ouvindo suas músicas, tentando se encontrar. Recorreu a Santo Agostinho. Declarou seu amor a São Paulo, São João, São Francisco e São Sebastião; aos meninos e às meninas. Acima de tudo, ao próximo. Talvez mais até do que a si mesmo.

Nunca falou em religião. Nem tão pouco possuía um ceticismo que lhe atribuíram posteriormente. Acho que nisso o jovem, de ontem e de hoje, lhe compreendeu bem.  Acredito que este seja o motivo da grande legião urbana de seguidores que não pára de crescer. Renato Russo não queria ser ídolo, não queria ser mártir, não queria ser Deus. Ele queria apenas alguém com quem conversar. Alguém que depois, não usasse o que ele disse, contra ele. Acho que conseguiu.


Henrique Biscardi

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