sábado, 20 de novembro de 2010

UMA MENINA ME ENSINOU...

Uma menina me ensinou...

Meus amigos ficaram decepcionados quando abandonei minha vida quase “mundana”. Luiz Alberto, tá maluco! – exclamavam. Logo eu que vivi com meus companheiros de infância as maiores bizarrices do mundo, permanecia apaixonadamente fiel, adepto do celibato.

Esperei três longos anos por aquele momento e quando ele finalmente chegou, sobraram apertos, amassos, forças e braços. Houve cotoveladas nos vidros, buzina indesejada, banco despencado e freio de mão se soltando. A fúria durou por cerca de 10 minutos, tempo em que o mar, ao longe, parou.

Eu perguntei, ela não respondeu. Ligou o motor do carro,  abriu as janelas, fechou os olhos e suspirou. Esticou-se no bando, repousou a cabeça no vidro e olhou as estrelas. Eu, petrificado. Marília, mulher. Perdi meus olhos em seus finos cabelos finos que rodeavam os redemoinhos de suas entranças.  Ela ali, Sublime. Esticou os braços para trás e seus mamilos rosados, já relaxados, combinavam com as suas bochechas risonhas e os olhos fechados. E eu, ali, desesperado.

De repente, algo perturbador invadiu os meus pensamentos. Lutei por alguns minutos, tentando disfarçar o incomodo que me causava. Quando dei por mim, me via ali, atônito, tocado pela indisfarçável desfaçatez de minha outrora pudica.  Meses, eu o lobo, ela a Chapeuzinho vermelho. Agora, completamente nua num banco da frente de um chevelho enferrujado, ano 79, com o dedo na boca e aquele olhar de mulher rodriguiana. 

Levantou os pés e os colocou também no assento. Deitou a cabeça sobre os joelhos e finalmente olhou para mim. Voltou-se para as chaves do carro na ignição e desafio-me a sair dali. Ela deseja voar, sentir o vento, flutuar. Talvez imaginasse que o vento entrando pelas janelas, esvoaçando seus lindos e compridos cabelos loiros, lhe presenteasse com aquela sensação. Talvez, então, mudasse seu sorriso e voltasse a ser cândida!

Saí desesperado. Caminhamos alguns minutos pela escuridão de meus pensamentos. A estrada estava vazia e as poucas lâmpadas desapareciam no retrovisor. O frio da estrada trouxe-a de volta até meu peito. Marília desejou meu calor, mas eu permaneci frio. Lembro-me de que não se deu por vencida. Segurou minha mão, colocou-a em seu peito, fechou os olhos, suspirou e deitou-se sobre minhas pernas. Virou o rosto na direção do volante e ao perceber que o carro parava, colocou silenciosamente meu rosto entre suas mãos. Fixou seus pensamentos em meus olhos e sentiu um punhal atravessando seus órgãos, sufocando os seus gemidos.

Minha insegurança foi, aos poucos, despertando-a de seus sonhos, transformando-os em delírios. Se ela pudesse ao menos sorri...mas ela não sorria. A tensão foi aumentando e a felicidade daquele momento foi se transformando em decepção. Um frio subido e mórbido foi tomando conta de seu corpo. Encheu-se de casaco e dúvidas.

Passamos o resto da noite como dois estranhos. Tentei uma reaproximação ao chegarmos à casa em que estávamos hospedados, mas ela repeliu qualquer tentativa de reaproximação. Sobrevivi à noite, traçando táticas para reconquistá-la. Acordei pela manhã e já não a encontrei mais à mesa do café, ao sofá ou em qualquer outro lugar. Mariana logo chegou em meu carro. Não houve uma palavra - disse-me ela - apenas lágrimas.

Saí desesperado em busca daquele ônibus que nunca encontrei. Natália foi-se embora, para sempre. Algum tempo depois, tive a sorte de reencontrá-la numa outra mulher com quem acabei me casando. Soube que ela também se reencontrou. Bobagem minha acreditar que seria diferente, mas durante algum tempo temi que sim.

Naquele dia, prometi que jamais voltaria a ofereçer a alguém, um amor que fosse incapaz de realizá-lo. Ninguém sente falta daquilo que jamais sentiu. Somos responsáveis por aquilo que cativamos. Se não pretendes magoar alguém, conheça suas limitações e seus limites. Porém, se algum dia tiveres a pretensão de libertar alguém, pense bem antes e, acima de tudo, liberte-se.  Amar custa caro, dá trabalho, mas sempre vale a pena.

Por: Henrique Biscardi

2 comentários:

  1. Muito Bom, Henrique!
    Texto inspirado e apaixonado.
    Parabéns!

    ResponderExcluir
  2. Texto lindo!
    Acho que o pior na vida não é cometer erros, mas por qualquer que seja o sentimento deixar escapar a chance de ser feliz e depois conviver com a sensação de arrependimento...

    ResponderExcluir