terça-feira, 5 de julho de 2011

QUEM QUER SER MALÚ?

Queria muito desafivelar os cintos e saltar. Pensou que, como Malú, fosse capaz de voar. Pensou que, como Malú, pudesse ser intenso, pudesse ter coragem, ser destemido, louco, irreverente, pulsão, desejo, tesão. Pensou mesmo que, como Malú, fosse capaz de muitas coisas.

As horas passavam lentamente e sua ansiedade só fazia aumentar. As janelas ostentavam, acima, um céu azul que lhe doía as vistas. Abaixo, o mar que Malú tanto amava. 

Servido o almoço, o  cinto preto que lhe cercava as cinturas trouxe-lhe uma sensação de luto. O cheiro da comida provocou ânsia e vômito. Trancou-se no banheiro e recostou-se no armário que se alongava, acima do lavabo. Desfaleceu. Não se sabe se a indignação maior vinha por parte da tripulação, dos passageiros e do próprio João. Retirado de seu sono, que desejava eterno, e de sua solidão, voltou-se para seu assento desejando, de verdade, ser aquele super herói de borracha que voava, dentro do avião, pelas mãos daquele menino, ingenuamente desprovido das angústias que a vida para todos reserva.  

Sentiu uma sensação de Déjà vu quando desembarcou em Paris e encontrou aquele céu carregado por nuvens negras. A esperada indiferença dos comissários e agentes do aeroporto contrastou com o afetuoso abraço de Regina. João não estava preparado para qualquer tipo de afeto. Tudo lhe emocionava. Chorou  copiosamente, enquanto Fernandes carregava sua bagagem até o carro.

No leito 5 da Unidade Intensiva do Hospital Central de Paris houve alguma animação quando a paciente agarrou com força o indicador da enfermeira que lhe aferia a pressão. Os médicos foram chamados, às pressas. Malú viu-se abrindo os olhos e chamou por João.

Quando criança, a menina acreditava mesmo que seus pensamentos moviam as coisas, mudavam os rumos dos acontecimentos. Por diversas vezes, foi assim. Com sua força mental, trazia mãe ou pai de volta para a casa. Era fechar os olhos, e desejar, que seu amor logo lhe telefonava. Numa briga, olhou fixo para uma Jaca e esta, imediatamente, despencou da árvore na cabeça de sua rival. Naquela manhã, acreditou que seus pensamentos lhe trariam João e que quando ele chegasse a Paris, como num conto de fadas, ela despertaria. 

Embaixo do chuveiro, o rapaz sentiu um arrepio e quando o telefone tocou, sentou-se à banheira e esperou. Regina esmurrou a porta  e gritou: Ela despertou! Despertou!  João partiu ainda com o corpo molhado, forçadamente enxugado nas roupas que se amontoaram sobre si. Chegou ao hospital com o coração para fora do peito. Correu pelos corredores, enquanto no leito, Malú se espreguiçava e erguia braços e lábios a sua espera.

Nos corredores, porém, havia quem pensasse diferente dos dois amantes. Médicos conversavam sobre sedativos e preservação dos sistemas neurológicos, enquanto seguranças tentavam conter João. O rapaz desferiu um golpe que arrebentou o nariz do médico e, com os ombros, derrubou dois enfermeiros que se colocavam à frente da porta principal da Unidade Intensiva. Ao lado do leito, após alguma luta, houve tempo para que a enfermeira aplicasse o sedativo. João lhe jogou ao chão e levantou o corpo de Malú ao seu peito. Antes  que uma descarga elétrica, desferida por uma arma da segurança do hospital, lhe jogasse ao chão, ele a viu sorrir.  

Foi preciso a intervenção de um amigo para libertar um orgulhoso João. O rapaz não entendia o porquê de se colocar em coma uma pessoa que, justamente, acabara de sair daquele estado. Acordou, feliz, na cela de um distrito policial da região. À noite, já acomodado no quarto de hospedes da residência de sua amiga, encheu-se novamente de coragem. Estava determinado a resgatar Malú.

Quando as luzes se apagaram por toda a cidade. Na madrugada fria de Paris, dois “sobretudos” entraram apressadamente naquele táxi que se moveu, sem direção, pelo Arco do triunfo. Pela manhã, houve correria pelos corredores do Hospital Central de Paris. Na delegacia, João prestava, imóvel, novo depoimento, enquanto Fernandes procurava algum apoio junto a representação diplomática brasileira na capital francesa.

Talvez, tudo seria evitado se tivessem avisado a João que Malú havia sido transferida para uma unidade semi-intensiva. Talvez a mulher que João raptou do hospital consiga resistir e sobreviva ao tempo que ficou longe da UTI. Talvez, Malú sinta orgulho de  João. Talvez João volte, algum dia, a ver Malú. Talvez.  

Por: Henrique Biscardi

4 comentários:

  1. Que peripécia! Muito pano pra manga. Aonde irá parar Malú? O que fazer com a mulher raptada por engano? Aguardo o próximo capítulo.

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  2. Vamos fazer uma campanha pra que vc não mate a Malu.
    Precisamos que sua loucura nos prenda a atenção!rsrsrs...

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  3. Aguardo ansiosa pelo próximo capítulo. Me senti ali, vendo tudo, sentindo o cheiro, sorrindo quando sorriram .... Amei.

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  4. Adorei ver o João saindo do seu estado normal e equilibrado.
    Muito bom, Biscardi!

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