segunda-feira, 18 de abril de 2011

O QUADRIL


Descia e subia, na rua. Virava a esquina e sumia. Seus olhos a seguiam, você já viu olhos fazendo curva? Os dele, faziam. E como uma destreza!  

– Disfarça – dizia um amigo – use  óculos escuros.  
– Meu amigo – respondia João – é a mesma coisa que chupar balas com papel.  
– Conheço gente que já morreu por conta disso.
– Que seja. Morro feliz.

Quando Geovana subia no ônibus, então, era um espetáculo. Fazia um calor bastante comemorado. Grudado, o vestido marcava as silhuetas da moça.  E a safada – pensava João – nem segurava o vestido. Gostava de dar espetáculo.

João era do tipo ciumento. Alto, corpo atlético, fazia “barreirinha” para a moça subir. Olhava para trás e ensaiava uma cara feia, espantando algum marmanjo que estivesse atrás se deliciando. Torcia para o ônibus estar cheio, mas às duas da tarde! Era difícil – Um dia encosto naquele pêssego – sonhava.

Tudo bem. Ele nem ligava muito. As abas que seu quadril faziam, pousadas sobre o assento da condução e a cintura fina e esguia também lhe davam algum prazer. Era tempo também para a contemplação. Subia os olhos pelas costas de pele branca e macia e o pescoço de pêlos finos e aloirados que a Geovana expunha ao tentar livrar-se do calor.

Quando a corrida para a moça terminava, invariavelmente o vestido estava grudado e o quadril marcado. João se contorcia. Geovana passava por ele faceira e balançava o dorso de um lado para o outro num gingado que só alguns conheciam. Descia devagar e maliciosa os degraus da condução. João seguia o seu caminho, triste, em direção ao seu trabalho, sem deixar de apreciar o bailado que se seguia pelas ruas da Tijuca.

Esperou nove meses e suas férias finalmente chegaram. Naquela tarde de segunda-feira, João tinha o compromisso mais importante de sua vida. Beca nova e passada. Sapato engraxado e cangote perfumado. Abandonou as escadas de seu edifício que descia diariamente. Nesse dia, optou pelo elevador social.

Sentado a portaria, aguardava por Geovana. Pontual, passou às 13h45. Cabelos molhados, vestido estampado e um cheiro conhecido, sabonete ou shampoo. Ela também devia aguardar por João. Caminhava lentamente até aquele número, sem gracejo algum. Era o rapaz apontar no gradeado que separava sua fortaleza da rua, que a menina se transformava em mulher.

Seu caminhar era um passo de dança. Leve e ritmado em movimentos marcados. No bailado de seu quadril, havia uma pausa quase imperceptível entre a subida de um lado e o caimento de outro. A cintura fina e uma discreta lordose completavam o cenário apoteótico.  Para o bem da verdade, Geovana também era linda vindo, de frente. Dois grandes olhos verdes, seios firmes e pontiagudos e um decote generoso. Mas João preferia mesmo, ela indo...à sua frente.

E como nos outros dias, ela foi. Entrou no ônibus, sentou, levantou os cabelos, prendeu-os com um pausinho, olhar despretensioso pela janela, uma certa impaciência, calor. Quando o “seu ponto” chegou, ela desceu. Nem imaginou que aquele dia seria diferente. João também não. Nem reparou que o ônibus parou no meio da rua, distante da calçada. Freada, espanto e asfalto. Ela, olhou e estarreceu-se. Ele subiu, dando uma última olhada naquele quadril. Chegou ao céu, feliz.


 Por: Henrique Biscardi
 





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