quinta-feira, 7 de abril de 2011

UMA OUTRA HISTÓRIA DE JOÃO E ALICE



Subiu as escadas correndo e apoiou as mãos sobre o mural. Olhos atentos e vagarosos. Um suspiro, um grito! A mulher achou exagero, mas Alice não estava nem aí para aquela senhora de olhos cansados. Os da menina, brilhavam. De choro e emoção. Nem conseguia teclar os números da mãe no celular, que pulou saltitante até encontrar o chão.

Pela fresta da veneziana daquele escritório, olhava perdido o horizonte. Sentia um futuro angustiante descer pela garganta junto ao décimo sexto copo de água.   A recepcionista pensou em chamar um médico quando o rapaz entre no banheiro pela enésima vez. Mas ele saiu rápido, como quem não sabia ao certo por quê entrou.

O sol deixou em brasa a corrente do estacionamento e o volante do carro de Alice. Sorte dela.  Condições ainda não havia para pilotar. Fez em trinta minutos um caminho de dez. Quando em casa chegou, pulou quase derrubando a pobre da mãe que lhe abriu as portas e os braços. Trazia em mãos um papel amassado, roubado de um mural da Universidade Católica do Rio de Janeiro. Jogou-se à cama, feito criança, e abraçou a Torre Eiffel que lhe sorria por dentro da moldura de um porta-retratos. Paris nunca esteve tão perto.

Postado diante de Sr. Abrantes quase não abriu a boca. Pálido, gelado e petrificado, aguardava o veredicto que, para sua surpresa, lhe foi favorável. Saiu da sala como entrou, em silêncio. Quando a porta se fechou, caiu a ficha. O rapaz desprezou o galão de água e o banheiro para abraçar Divina, que se defendia como podia dos braços de João. O rapa saiu cantarolando Adoniran  e Cartola pelas ruas de São Paulo. Os dias difíceis no Tucuruvi nunca estiveram tão longe.

A mão acomodou o capo vazio sobre a mesa. O garfo mexia o macarrão molhado de um lado para o outro, como quem foge da chuva. A sua frente, um espelho, de onde se podia ver o mesma massa, seca e rapidamente triturada.  Mas não havia reflexos. Apenas as imagens sozinhas, sombrias, desapercebidas e separadas. De uma lado, o barulho do celular, do motor do carro, das chaves da porta e do porta-retratos se quebrando, arremessado um pouco depois do visto negado, ao armário vazio. Do outro, o silencio ameaçador e angustiante da espera. As esperanças que não se findavam diante das sucessivas promoções que vingaram a sua frente, ignorando a sua espera.

Num canto da sala um choro. Alice desperta e se levanta. Esvazia o prato na lixeira e enche a boca de Bernardo com o seu peito que arregala os olhos sem nada entender. João passa uma água no prato “limpo” e cumpre o seu ritual. Bebe água e caminha até o banheiro. Depois, entra na sala e, calado, houve as notícias do jornal:

Quando a noite chega, João se deita e não entra naquele escritório. Constrói enredos e histórias, ensaia falas,  finais felizes e se lembra do tempo em que desejava ser escritor. Alice, uma vez mais alimenta Bernardo, sentada á poltrona da sala, viaja até Paris. Pesquisa acervos de obras, autores e documentos, e conclui seu mestrado em história da arte.  

No dia seguinte, a mão acomoda o copo vazio sobre a mesa. O garfo junta feijão, arroz, bife e batatas. João sorri para Alice que ainda chora. O rapaz segura a mão da moça e tira do bolso papéis amassados, tão iguais àquele arrancado de um mural da Universidade Católica do Rio. Um pedido de casamento e um bilhete de embarque não ticado.  Alice, olha fixo no rosto de João. A cabeça tomba de um lado para o outro. Seus olhos não entendem o porquê e se entristecem. A menina se levanta. Segura pela última vez o rosto do marido e lhe beija. Agarra firme a passagem de avião e não lha para trás.

Do saguão de desembarque à entrada de um hotel barato no alto do bairro da Glória, no Rio de Janeiro, foram quarenta minutos de um diálogo silencioso. Bernardo, até tentou quebrar o clima demonstrando algum apreço pelos brinquedos novos. Alice se sentia uma estranha.  A moça tinha a percepção sobre a eternidade daquele momento e do abismo que havia entre aqueles dois papéis amassados, colocados a sua frente, naquela ardilosa mesa de jantar.  Sabia do preço a pagar por sua escolha, mas aquilo de forma alguma reduzia a sua dor.

João nunca escreveu um livro. Galgou algum espaço no ramo editorial e levava uma vida confortável. Casou-se com Priscila e tinha também Sophia.  Já Alice, voltou para Paris.

Subiu as escadas correndo e apoiou as mãos sobre o balcão, diante do painel de desembarque. Olhos atentos e vagarosos. Um suspiro, um grito! A mulher achou exagero, mas Alice não estava nem aí para aquela senhora de olhos cansados. Os de menina, brilhavam. De choro e emoção.  Bernardo saiu do avião e Alice se sentiu em Paris, pela primeira vez em sua vida, inteira. 


Por: Henrique Biscardi

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