quinta-feira, 5 de maio de 2011

O PEDIDO

Buscava um significado em cada coisa. Uma luz, um sinal. Olhou para aquela moeda dourada, fosca e suja, e pensou em seus dias dourados. Da alegria de surgir no meio de uma esteira e desfilar por entre olhares cansados e libidinosos. Cair dentro de um saco plástico e passear de navio, de lancha, de barco, carros e motos. Descansar na boca de um caixa, nas mãos felizes de uma criança, na barriga de um porquinho. Depois, juntar-me com suas amigas e fazer uma festa! Transformar-se numa bola de sorvete, numa revista de pintar, num livro, num vestido, num carro, numa casa...Malú queria mais de sua vida, queria ser feliz.

Sentia uma inquietação em seu peito. Imaginou que o garçom, parado próximo às costas de sua cadeira, imóvel feito um dois de paus e baforando em seu cangote, fosse uma espécie de segurança. Sua missão não seria a de apenas apressar-lhe o pedido, mas garantir que ela o aceitasse. Malú se sentia incomodada.

Um outro funcionário aproximou: com sua licença, senhora – e precipitou-se a limpar a mesa. Passou uma escovinha, caçando as migalhas. Retirou uma lata de refrigerantes e duas xícaras de café vazias. Seu erro foi mexer no pires:

- As balas o senhor pode levar, a moeda é minha.

Robério espantou-se e olhou para o “segurança” que também não entendeu. O rapaz, porém, achou que seu emprego valia mais do que um real e deixou Malú ficar com sua gorjeta.  A moça colocou a moeda de volta à mesa. Seu olhar deixava claro, no entanto, que ali devia ser o lugar dela.

Suas pernas balançavam num ritmo alucinante. Chamou Robério e pediu as balas de volta. Chupou todas. Entre cada uma que ela absorvia,  uma olhada no espelho e uma passada com os dedos no canto da boca, ajeitando o batom que nunca estava bom. O ritual seguinte era o do celular. Tirava-o de dentro da bolsa e olhava.  Primeiro, a hora. Depois, chamadas e mensagens. Nada de novo acontecia. Mas Malú não reclamava das horas. Sabia que Estava bastante adiantada.

Percebeu, após algum tempo, que havia uma televisão ao fundo de cada lado do salão. Porém,  não havia som e as vistas já não  lhe oferecia condições para a leitura das legendas. Mesmo após observar que se tratava de um canal de notícias, o que não lhe interessava muito, fez questão de trocar de mesa. Levou consigo, a moeda. Manú sentiu-se mais confortável e sem que ela pedisse, lhe ofereceram água, a qual foi prontamente aceita. 

João chegou na hora marcada e a inquietação de Malú aumentou. Olhos arregalados, rosto esbranquiçado, uma cara de pavor. O sorriso do rapaz logo amarelou. A moça estranhou que o “segurança" já não lhe acompanhava. O estresse agora era em função da demora em lhe trazerem o cardápio. Suas pernas balançavam ainda mais e suas mãos só pararam de sacudir no ar quando não apenas um, mais dois garçons vieram em seu socorro. O "segurança" também aproximou-se. Malú segurou firme a moeda.

João tentou se servir, mas a menina raspou o arroz com brócolis da pequena travessa que mergulhou em seu prato. A batata gratinada e a maioria dos cubos de frango fritos que emergiam pela copa do abacaxi, ensopados por catupiry, tiveram o mesmo destino.  

O rapaz estava com fome e com fome ficou. A velocidade com que Malú falava e comia lhe tiraram o apetite. Sem mencionar que pouco lhe restou para que pudesse formar um prato.  O frango, o arroz, a batata, o copo de vinho, tudo misturado, triturados e liquidificado na boca de Malu. As palavras de Malú não faziam o menor sentido, mas João mantinha a calma e concordava com tudo. Irritou-se apenas com os olhares incrédulos dos garçons que disfarçaram e dispersaram. Depois de alguns minutos, Manú respirou, limpou a boca, descansou o guardanapos sobre o colo e, finalmente, olhou para João.


O rapaz olhou para a Malú, que apresentava o rosto um pouco mais corado. Puxou-a pelas mãos, aproximou-se e lhe dei um curto beijo nos lábios. A moça o correspondeu  sem muita paciência, como quem esperava ansiosa por algo. O rapaz voltou ao assento de sua cadeira, abriu um sorriso e puxou, do bolso esquerdo de seu paletó, uma caixinha prateada.

Antes que o rapaz pudesse dizer qualquer coisa, Malú arrancou-lhe a caixinha, o anel e o pedido de sua boca. Pegou a aliança de brilhantes e ela mesma a colocou no dedo anelar da mão direita. Com os olhos marejados, tirou do bolso de seu casaquinho aquela moeda e a levantou na direção da vista do rapaz:

- João! Seu anel é um encanto, lindo, maravilhoso e eu aceito sim, casar com você. Agora, Está vendo essa moeda? Está vendo?  O seu brilho, João já causou grande encantamento, sabia? Essa moeda, João, já percorreu o mundo. Andou de navio, barco, iate, avião. Foi cobiçada por muitos, João, embora alguns não lhe tenham dado tanto valor. Esse moeda, João, já fez a alegria de crianças, já foi o início de grandes projetos. Essa moeda, João! Essa moeda! Está vendo? Está vendo?

Fez-se silencio por alguns segundos, enquanto João encarava a moeda, na cara e na coroa:  

Quero ser feliz está entendendo? Quero ser feliz! Então, mais uma vez eu digo: caso sim, caso com você. Mas guarde bem guardado, muito bem guardado, essa moeda. Dê valor a ela. Muito mais do que o meu sim e esse anel caro, lindo e maravilhoso que você acaba de me dar, e ela que, se você me amar de verdade, vai nos manter unidos, entendeu? Entendeu, João?

João pegou a moeda, guardou-a na caixinha prateada e a colocou no bolso, enquanto  Malu, tranqüila e serena, escolhia a sobremesa.

Por: Henrique Biscardi

4 comentários:

  1. Sensacional Henrique !!!
    Parabénsss mais uma vez!!

    Sucesso sempre!
    Beijo

    Fátima Fernandes

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  2. Eta!!! Para românticos como eu esse conto foi maravilhoso. Para os não românticos também.

    Mas que elétrica essa Manu,hein? Aff... esse João irá para o céu.

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  3. Muito bom, Henrique!
    Gostei demais.

    Beijos,

    Cristina Desouza

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  4. Vc crou uma personagem muito interessante Henrique. parabéns.
    Gostei muito do texto.

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